Bandido bom é bandido morto, presídio não é área de diversão, preso tem de sofrer mesmo –essas são algumas das “verdades” assumidas por grande parte da sociedade brasileira em relação à criminalidade.
Tal visão, porém, longe de livrar a sociedade dos criminosos, deixando as cidades mais “livres”, não apenas realimenta o mundo da bandidagem como também ajuda a fortalecer e a enriquecer as facções que comandam o crime a partir de seus “escritórios” nas penitenciárias.
Ainda que essa avaliação possa parecer feita por “gente dos direitos humanos”, ela é compartilhada por acusadores e julgadores, como TUTAMÉIA constatou ao entrevistar um juiz de execuções criminais, um procurador e um advogado que atuam em Porto Alegre e se veem às voltas com um sistema prisional inchado e uma justiça vingativa.
“As facções criminais assumiram o controle dos presídios”, afirma o juiz Sidinei Brzuska, que recebeu a reportagem em seu escritório no Foro Central de Porto Alegre, na zona sul da cidade. Com ele estavam o procurador de Justiça Gilmar Bortolotto, que foi durante 15 anos o promotor responsável pela fiscalização dos presídios na Comarca de Porto Alegre, e o advogado Roque Reckziegel, coordenador adjunto de Direitos Humanos da OAB/RS.
Controlados pelos criminosos, os presídios são hoje centros de recrutamento para as facções e locais onde os criminosos ganham dinheiro, afirma o juiz. Segundo ele, grande parte dos homicídios são comandados a partir dos presídios, onde também fica o controle central do tráfico.
Isso acontece porque, na visão do procurador Bortolotto, o Estado abdicou de realizar suas funções. “Os presídios viraram um centro de autogestão da pior espécie”, afirma ele.
Os resultados são desastrosos. A política de vingança e de abandono dos presídios não consegue minimante realizar alguma recuperação dos apenados, diz. Cita números para embasar sua tese: setenta por cento dos presos que passam pelos presídios vão retornar. “De cada mil, setecentos voltam.”
Apesar disso, completa o advogado Roque Reckziegel (foto), “há um agigantamento do encarceramento”, o que faz com que existam “mais presos do que o sistema comporta”.
As estatísticas sustentam a afirmação do advogado. Historicamente, afirma o juiz Brzuska, havia um aumento da ordem de mil condenações por ano no Rio Grande do Sul. Em 2016, porém, esse número explodiu para oito mil condenações. E piorou: até outubro de 2017 (a entrevista foi realizada em novembro), o número de condenações no Rio Grande do Sul chegara a dez mil.
Além de todos os problemas já apontados pelos especialistas, há também a oneração do Tesouro do Estado: prender e manter alguém preso é muito caro.
Brzusca aponta as cifras: a construção de uma nova vaga no sistema prisional custa nada menos do que R$ 60 mil. E a manutenção de cada preso custa por ano R$ 40 mil.
Ou seja, o sistema de ódio, como eles dizem, realimenta o crime e tem um altíssimo custo financeiro para a sociedade, além de todos os outros custos.
Por isso mesmo, o juiz, o procurador e o advogado buscam encontrar opções. Uma saída, apontam, é ter presídios, centros de detenção menores, em que os presos sejam tratados de forma diferente.
“É uma maneira de limitar a ação das facções”, afirma Bortolotto.
No que é secundado por Reckziegel, que, como os demais, apoia e incentiva o sistema de penitenciárias geridas por Apacs –Associação de Proteção e Assistência aos Condenados. Trata-se de um método criado na década de 1970 com o objetivoivo de gerar a humanização das prisões, sem deixar de lado a finalidade punitiva da pena. Sua finalidade é evitar a reincidência no crime e proporcionar condições para que o condenado se recupere e consiga a reintegração social.
De fato, os resultados são animadores, segundo diz Reckziegel: a pirâmide de reincidência no crime se inverte, e o índice de retorno do apenado fica em torno de dez por cento.
O que faz com que ele afirme, apesar de todos os problemas que vê no sistema prisional: “Tem solução. Se quiser”.
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