O ataque à soberania nacional que o governo Bolsonaro está patrocinando não tem precedentes. Por isso a questão nacional nunca foi tão relevante. A oposição, no Congresso e nas ruas, precisa agir. É o que afirma o economista Paulo Nogueira Batista Jr. em entrevista ao TUTAMÉIA.
Na sua análise, a agenda regressiva da extrema direita está gerando reações no exterior e, sobretudo, aqui. “A oposição está se aproveitando dos erros sucessivos do governo. Não só a oposição parlamentar, mas oposição social. Mulheres, negros, estudantes, LGBTs, cineastas, cantores: todos estão vendo que a pauta destrutiva em curso tem que ser parada. A força do pessoal que autenticamente rejeita a barbárie é muito grande.
Amazônia, Base de Alcântara, política de comércio exterior, acordo com a União Europeia, dolarização das contas, moeda – “temos uma pauta enorme de defesa da soberania nacional”, diz o economista. Na entrevista, ele discorre sobre os efeitos nefastos das políticas destrutivas e submissas de Bolsonaro, apontando estratégias para barrar seu avanço (veja a íntegra no vídeo acima).
“Temos que ter coragem e paciência. Não uma paciência de Jó, de mártir que aguarda passivamente a intervenção divina. Mas uma paciência estratégica chinesa, de quem tem visão de longo prazo e age para implementar essa visão de longo prazo”, afirma.
Ex-vice-presidente do “banco dos Brics” (o New Development Bank, NDB) e ex-diretor do FMI, Nogueira Batista avalia que o governo terá dificuldades em avançar na sua pauta antinacional se as questões foram bem encaminhadas no Congresso e no Judiciário –além das mobilizações de rua. “O fio condutor da oposição brasileira tem que ser a questão nacional”, defende.
BRASIL DE HOJE É A FRANÇA SOB OCUPAÇÃO NAZISTA
“Se o Brasil se entregar a essa onda entreguista, vai ser difícil. O Brasil de 2019 me lembra a França de 1940, de Pétain [marechal francês que colaborou com os nazistas]. Os alemães derrotaram a França quase sem resistência. De Gaulle, que era um coronel, fugiu para Londres e criou a França Livre. Quando todas as patentes mais altas do Exército francês estavam rendidas o que aconteceu? De Gaulle estava fazendo um cálculo romântico e realista ao mesmo tempo. Sabia que tinha a Inglaterra e que tinha Roosevelt do outro lado”. E segue:
“Se nós sucumbirmos a essa onda entreguista, não vai ter um Churchill do outro lado do Canal da Mancha nem um Roosevelt do outro lado do Atlântico Norte para ajudar a recuperar a soberania. Não vai. Vão fazer muitos discursos no Parlamento Europeu a nosso favor. Mas não vai ter peso na questão nacional. Nós é que vamos ter que enfrentar isso. Temos que acabar com esse negócio de ficar pensando com a cabeça dos outros e recuperar a nossa capacidade de pensar por conta própria”.
Na sua visão, O Brasil sempre foi dividido entre o partido de Tiradentes e o do Joaquim Silvério dos Reis, como dizia Barbosa Lima Sobrinho. “O partido de Tiradentes tem muitas forças ilustres: Guimarães Rosa, do “Tutaméia”, Celso Furtado, Roberto Simonsen, Machado de Assis, Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Oscar Niemeyer, Burle Marx. O Brasil tem uma riqueza intelectual uma capacidade de criar em ser original impressionante. Já os economistas têm um péssimo papel nessa questão. Estão quase todos no partido de Joaquim Silvério dos Reis. E sempre fogem do debate”.
Segundo ele, “esses economistas que se dedicam ao dinheiro e à defesa dos interesses estabelecidos, os economistas bufunfeiros” sofrem de “atrofia cerebral: não sabem o que dizer, ficam reproduzindo as velhas ideias que os americanos e os europeus testaram e abandonaram”.


AMENDOINS E ESPELHINHOS
Na entrevista, debatemos, entre outros pontos, a ideia, anunciada pelo presidente do Banco Central, de abertura de contas em dólar no país. Na visão de Nogueira Batista Jr, a proposta é perigosa e “introduz um elemento que vai provocar a gradual erosão da soberania monetária, que é um atributo essencial da soberania nacional”.
“Eu não faria isso de forma alguma. Recomendaria ao Congresso Nacional que estudasse se não pode haver uma intervenção do parlamento brasileiro nesta questão, se isso não fere aspectos da soberania nacional tal como previsto na Constituição e, por essa via, inibir movimentos entreguistas na área monetária”.
Outro ponto da entrevista foram os acordos internacionais, especialmente o para a entrada do Brasil na OCDE. Para o economista, essas iniciativas podem estar “cerceando a soberania das políticas públicas brasileiras de uma maneira sem precedentes. O Brasil não pode delegar as suas políticas a outras forças em troca de ‘peanuts’. O que nos oferecem os europeus? Eles vão nos dar acesso a seus mercados agrícolas? A França nunca quis. O que nos oferecem para entrar na OCDE? Espelhinhos! É o prestígio de estar lá. Não acredito que o governo brasileiro vá escutar esse tipo de ponderação, mas o congresso, sim”.
LULA E MANDELA
Paulo Nogueira também falou da prisão de Lula:
“Lula se insere na tradição dos grandes líderes nacional desenvolvimentistas brasileiros: Vargas, Juscelino, Brizola. É impressionante como ele só faz crescer. Cresceu na Presidência, no primeiro, no segundo mandato, como ex-presidente e cresce agora como perseguido e preso político. Ele virou o Mandela brasileiro”.

No mês de agosto, Nogueira Batista lança “O Brasil Não Cabe no Quintal de Ninguém – Bastidores da Vida de um Economista Brasileiro no FMI e nos Brics”. “É uma análise da situação brasileira e internacional, com a pimenta dos embates que não vem a público”, conta o economista ao TUTAMÉIA.