Confinada em Paris, respeitando as ordens governamentais para dificultar a propagação do Covid 19, a jornalista Rosa Freire D`Aguiar vem desde meados de março escrevendo pequenos textos em que conta passagens de seu dia ou compartilha observações, lembranças, curiosidades.
É seu Diário de Uma Confinada, tema inicial da conversa de TUTAMÉIA com ela (veja no vídeo acima a entrevista completa). São dias que, conta, “a sensação que se tem é de que o tempo parou: os dias são muito parecidos, parece que o tempo está suspenso”.
A cidade sobrevive com galhardia: “Em Paris, o confinamento está bastante organizado. Não houve desabastecimento, a gente precisa de uma autorização a cada vez que se sai de casa. É mais uma declaração, que a gente mesmo faz, escrevendo em um papel a razão de estar na rua. É um atestado de boa fé, o governo acredita que você está dizendo a verdade. Nessa declaração você põe seu nome, o endereço, a que horas saiu e por que saiu. Há uns sete motivos listados: ir ao supermercado, à farmácia, a consultas médicas, a trabalho e outros, até passear com o cachorro, saídas de no máximo uma hora e de, no máximo, um raio de um quilômetro de onde você mora”.
A fiscalização do respeito às regras é firme: “Há polícia vigiando. Passa polícia de carro, de moto e até a cavalo. Eu, nos dois ou três primeiros dias fui parada por um carro de polícia, aqui perto de casa. Eu estava completamente dentro da lei, apresentei o atestado, foi tudo certo”.
Quem não estiver nos conformes é punido: “No primeiro mês de confinamento foram lavradas 800 mil multas na França inteira. Fizeram três milhões de controles, e 800 mil pessoas tiveram de pagar multa. E a multa é alta: a primeira dá uns 130 euros (cerca de 700 reais hoje) e vai aumentando se houver reincidência, chega até três mil e duzentos euros. Pode até dar prisão”
O mais importante, porém, no entender da jornalista e tradutora, não são os controles, mas a própria decisão de se proteger e proteger aos outros: “Renasceu uma espécie de noção de cidadania, de uma certa solidariedade, que está funcionando, com as exceções de praxe. O país está bastante confinado. Há cidades que estão conseguindo 90% de confinamento, até 95%. Claro que, em uma cidade grande como Paris, é mais difícil. E a imprensa está 100% engajada no apoio às medidas de combate à pandemia”.
Na sua quarentena particular, Rosa Freire segue produzindo intensamente. Além dos diários, que publica em sua página no Facebook (CLIQUE AQUI para visitá-la) e considera uma espécie de hora do recreio, trabalha em uma tradução de Proust.
E acabou de terminar mais uma das coletâneas de escritos de Celso Furtado (1920-2004), de cujo legado é guardiã. Um dia antes de começar a quarentena, entregou à editora os originais de uma compilação de cartas do grande economista e pensador.
É resultado de dois anos de dedicação à análise da correspondência de Furtado ao longo de décadas: “Virei uma cartomante, lia cartas o dia inteiro”, brica ela.
O livro registra a comunicação de Furtado com certa de trinta intelectuais e políticos brasileiros, mais vinte estrangeiros. Antonio Callado, por exemplo, troca ideias com ele logo depois de ter escrito “Quarup”. E Carlos Lacerda escreve ao economista fazendo um convite para que entre na Frente Ampla contra a ditadura militar.
A compilação das cartas é a segunda etapa de um projeto desenvolvido por Rosa Freire D`Aguiar em comemoração aos cem anos do nascimento do economista. Sobre o primeiro, “Diários Intermitentes”, que reúne anotações de Furtado de 1937 a 2002, ela conversou com TUTAMÉIA no ano passado (veja no vídeo abaixo e se inscreva no canal TUTAMÉIA TV).
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