Risos e lágrimas se confundiram e alternaram ao longo da celebração LAMARCA VIVE!, homenagem aos oitenta anos do nascimento do capitão Carlos Lamarca, realizada em São Paulo no dia 23 de outubro.

A emoção bateu forte em todos que ouviram as palavras do sargento Darcy Rodrigues, talvez a figura viva que mais tempo conviveu com o Capitão da Esperança. Também houve risadas limpas em resposta aos “causos”, recordações de Antônio Roberto Espinosa, que foi dirigente na VPR ao lado de Lamarca (mais tarde, também atuou na VAR-Palmares). E acompanhamos as reflexões de João Lopes Salgado, ex-dirigente do MR8, sobre os últimos dias do comandante.

Realizado pelos Corredores Patriotas Contra o Golpe, a celebração teve o apoio e a participação da Fundação Lauro Campos, do PSOL, que foi a anfitriã do evento, e das fundações Perseu Abramo, do PT, e Mauricio Grabois, do PCdoB. Também participaram da organização o Centro de Debate da Mídia Alternativa Barão de Itararé, o Núcleo de Memória Política e os grupos Porcomunas e Agir – Arquibancada Ampla, Geral e Irrestrita.

Público no salão da Fundação lauro Campos, na noite fria de 23 de outubro; foto Samuel Iavelberg

Apesar da noite fria, ficou lotado o salão nos fundos de um casarão do século passado, localizado na região central da cidade. Entre as figuras mais conhecidas, lá estavam o fotógrafo Samuel Iavelberg, irmão de Iara, e o ativista da democracia Adriano Diogo, recém-eleito para a secretaria nacional de Direitos Humanos do PT. O cartunista e professor Gilberto Maringoni, que foi candidato ao governo de São Paulo pelo PSOL, fez a abertura do ato. O músico Mauro Amorim, autor do belo samba “Lamarca”, também disse presente.

Darcy Rodrigues fala durante o ato; à direta dele, Espinosa e Salgado; foto Samuel Iavelberg

Além de homenagem a Lamarca, o ato foi uma celebração da luta pela democracia em nosso país, um mergulho da história de homens e mulheres que deram suas vidas para a transformação do brasil em uma pátria livre e soberana. Cada um dos convidados especiais deu depoimento rico de emoções e informações, revelações mesmo. Antes, a jornalista Eleonora de Lucena, que prepara uma biografia de Carlos Lamarca traçou um panorama geral da trajetória de Lamarca e o contexto em que sua luta transcorreu.

Claudia Pavan Lamarca, filha do capitão, não pode estar presente, mas mandou mensagem que eu tive a oportunidade de ler e reproduzo a seguir, na íntegra:

MENSAGEM DE CLAUDIA PAVAN LAMARCA

AO ATO LAMARCA VIVE!!!

Prezado Lucena, demais organizadores, palestrantes e convidados.

Diante da impossibilidade de comparecer à comemoração pelo aniversário dos 80 anos do meu pai, venho através desta nota agradecer o convite, a iniciativa do encontro e desejar um excelente evento.

Temos vivenciado momentos de ultraje e de desrespeito aos preceitos que regem, não somente a Democracia, mas também a Justiça e os direitos adquiridos com a luta, o sangue e a vida daqueles que vislumbraram, lutaram e pereceram por uma sociedade mais justa e igualitária.

Temos acompanhado a sanha enraivecida da classe empresarial, abastada e elitista contra o povo e contra os menos favorecidos, ao pactuar seus direitos em troca do apoio e financiamento do recente Golpe de Estado.

Temos presenciado a ascensão de movimentos e grupos retrógrados, preconceituosos, misóginos, fascistas, nazistas, racistas e homofóbicas, reacionários, expondo as suas entranhas pútridas e nefastas, suas concepções e crenças pífias contra seus semelhantes, contras irmãos e filhos desta mesma Terra, num cenário irracional e extremista.

Como maus alunos reprovados, temos voltado a discutir a validade de temas como trabalho escravo, invasão/demarcação de terras indígenas, venda da Amazônia, entrega da PETROBRÁS para o capital estrangeiro. Temas estes que deveriam ser abolidos de qualquer tipo de discussão, pois são indiscutíveis, inegociáveis. São direitos adquirimos pela mãe Pátria.

Temos assistido a deputados e senadores suspeitos, e denunciados, julgando outros congressistas, também suspeitos e denunciados nesse circo de horrores chamado de Congresso e Senado.

Temos escutado ao grotesco berro de sociopatas e psicopatas, clamando pelo horror explícito de ditadura militar, quando tivemos nossos heróis que deram a vida, foram torturados e desaparecidos para que estas mazelas de quinto mundo fossem expurgadas, extinguidas. O relógio no Brasil retrocedeu 40 anos, apesar de mundialmente estarmos inseridos na mais veloz revolução científica-tecnológica experimentada em todos os tempos.

Diante desse cenário, restam a reflexão, as críticas e autocríticas que deverão ser promovidas pelos movimentos progressistas e de esquerda, a fim de falarmos a voz das massas, a fim de escutarmos o clamor das massas, de sermos os instrumentos pelos quais o povo possa reconquistar e manter os seus direitos, somente assim seremos seguidos pela maioria.

Somente a aproximação com o povo o fará reconhecer na luta da esquerda a sua luta; caso contrário, carecerá de pertencimento e de identidade.

Por fim, um ponto nevrálgico, que precisa ser  tratado sem o narcisismo próprio de seus líderes, é a unificação das esquerdas, o “tendão de Aquiles exposto, descalço e maltrapilho e de domínio da perspicaz direita!”

Um excelente encontro!

Um fraternal abraço a todos!

OUSAR LUTAR, OUSAR VENCER!

FORA TEMER, fora golpistas!”

Depois da leitura da mensagem, Eleonora assumiu a coordenação dos trabalhos, e eu cuidei de fazer a transmissão ao vivo de nossa celebração. No momento em que escrevo, o vídeo original já foi assistido por mais de 13 mil pessoas.

Destaco em especial o depoimento de João Lopes Salgado, que conviveu com Lamarca no sertão da Bahia nos dias anteriores ao cerco e assassinato do chefe guerrilheiro.

Para mim, pessoalmente, o ato marcou o final de homenagem que fiz a Lamarca, dedicando a ele, à sua trajetória e aos que combateram a ditadura militar uma série de oito corridas –uma por década desde o nascimento do capitão, em 27 de outubro de 1937.

A primeira da série foi um percurso até o parque Luiz Carlos Prestes, para lembrar aquele que foi um dos pioneiros na luta patriótica e democrática brasileira.

Rua Carlos Lamarca, no Jardim Elisa Maria, zona norte de São Paulo; foto Rodolfo Lucena

Também fui até a rua Carlos Lamarca, no Jardim Elisa Maria, na zona norte paulistana, e corri até o Ibirapuera, onde está instalado o Monumento aos Mortos e Desaparecidos durante a ditadura militar.

Ao longo desses oito dias, de segunda a segunda, fiz mais de oitenta quilômetros, o que foi de muita ajuda para meu projeto de sexagenário, que é completar neste ano percurso equivalente à distância de sessenta maratonas somadas. Já totalizei mais de 2.300 quilômetros neste ano e, se não acontecer nenhuma tragédia, devo chegar à marca almejada –2.532 quilômetros—antes do final deste próximo mês.

VAMO QUE VAMO!!!