Mídia e política fazem parte de um todo. Mídia é política e política é mídia. Só é possível analisar a mídia dentro do contexto político. Isso vale desde a análise do noticiário político até a seção de esporte ou de cultura. Tudo passa por um crivo político, uma análise de conjuntura, uma visão de mundo. A escolha das palavras, das informações que serão enfatizadas e das que serão desprezadas _tudo encerra uma visão política. Se sabe que não há neutralidade, objetividade absoluta, mas uma busca.
Nos momentos de crise e de polarização essas dimensões ficam mais evidentes e o papel da mídia como instrumento de guerra ideológica se torna translúcido.
Foi nas vésperas da Revolução Francesa que isso ficou claro pela primeira vez. Os libelos, panfletos, jornais fervilhavam de notícias _muitas delas falsas, sensacionalistas, numa prévia do que hoje é chamado de “fake news”. Robert Darton esmiúça esse momento em “O Diabo na Água Benta”.
No Brasil, a mídia sempre teve papel central nas crises políticas, desde o movimento de independência, como mostra Isabel Lustosa em “Insultos Impressos”.
No século 20, com a urbanização e a industrialização, floresceram jornais ligados a grupos econômicos e também a imprensa operária. Se conhece bem o papel da mídia na crise que levou a suicídio de Vargas, em 1954. O linchamento midiático promovido por Carlos Lacerda teve importância nos fatos. O empastelamento dos jornais na sequência da morte de Getúlio expressou a ira da massa contra a campanha liderada pelos jornais contra o governo.
Depois temos o golpe militar de 1964 e também conhecemos o papel da mídia naquele momento e nos posteriores. A maior parte dos jornais se alinhou com o golpe e sustentou suas versões. Apesar disso, veio a censura após o AI5, em 68. Alguma resistência de mídia passou a ser feita do exterior. No país, a televisão tomou o espaço dos jornais e passou a nadar de braçada, conquistando audiências e verbas publicitárias. Em nenhum outro lugar do mundo houve tamanha concentração num meio de comunicação. O Brasil passou a se conhecer e a se integrar pela televisão.
Em meados da década de 1970, os jornais alternativos ganharam algum fôlego, burlando censuras. Apoiados até por empresários dissidentes do regime, conquistaram público expondo as mazelas da população e colocando o debate sobre a questão democrática. Muitos eram vinculados a grupos políticos que ainda atuavam na clandestinidade.
A redemocratização foi uma conquista histórica. Do ponto de vista da mídia, no entanto, significou a fragmentação e a erosão da chamada imprensa alternativa, reflexo das divisões da esquerda. A crise econômica no início dos anos 80 derrubou as experiências inovadoras que existiam. As empresas de comunicação institucional, agora livres da censura, ocuparam o espaço do debate público, com a preponderância inquestionável da TV. Daí a importância da TV no debate da eleição de 1989, a primeira da redemocratização.
A sequência de vitórias de um partido de esquerda, no início desse século, provocou um realinhamento dramático nas linhas editoriais dos meios de comunicação institucionais, defensores do neoliberalismo e refratários à ascensão social dos mais fracos. Ideais conservadores, que por muito tempo tinham sido deixados no armário, reapareceram com força. A velha lenga-lenga da corrupção (usada contra Getúlio, JK e Jango) foi reabilitada contra o avanço da esquerda comandada por Lula.
Não foi por acaso. A fúria da imprensa contra o PT e a esquerda se desenrolou tendo como pano de fundo a reestruturação do capitalismo na esfera mundial. Não é possível dissociar a mídia do terremoto que abala o sistema há quase dez anos. Corroído pela desigualdade e pela falta de perspectiva de avanço para as grandes maiorias das populações dos países centrais, o capitalismo financeiro busca extrair mais ganhos, especialmente nas periferias. E a mídia mais do que ecoa esse movimento _serve de instrumento crucial para as mudanças políticas e econômicas.
As mudanças na mídia local foram acontecendo aos poucos: primeiro, eliminado o contraditório, a posição divergente, o debate. Depois, adotando um tom mais desabrido, forte, ofensivo até contra as posições de esquerda. Estridente contra esquerda e bloqueando a diversidade política, a mídia foi vetor da crise política.
Não é mais possível definir como mídia apenas a TV, o rádio, os jornais. Nos últimos 20 anos, a ascensão da internet e das redes sociais provocaram um terremoto nesses meios tradicionais. Como tendência global, o ódio e a mentira foram moendo a informação e deixando os cidadãos perdidos num espaço de cacofonia, violência e narcisismo. Se não conseguir filtrar o que transita na rede, o cidadão fica cego, apesar da abundante e caótica oferta de dados.
O ambiente não é neutro, como nada na vida. Governos, grandes empresas, mercado financeiro manipulam o que se lê, o que se compartilha e o que se curte. O bombardeio, via mídias digitais ou tradicionais, exerce enorme influência. Estão aí os recentes Brexit e a própria eleição de Trump para demonstrar isso. Nunca é demais assinalar que a Cambridge Analytica, muito atuante nesses dois processos, chegou oficialmente ao país no início deste ano.
Ainda será preciso pesquisar para explicar o que aconteceu no país a partir de 2013. Parece plausível considerar que houve ação externa no golpe de 2016. O Brasil se projetava com autonomia no exterior, não se alinhando automaticamente aos EUA e descobrira a enorme reserva do pré-sal. Aliando-se à China, à Rússia, à Índia e à África do Sul, nos Brics, relativizava o poderio norte-americano na região.
O golpe de 2016 deixou expostas as forças em confronto e colocou a mídia no centro do debate. Falta o enfrentamento das debilidades da oposição. Falta o entendimento da importância central da questão da mídia, cerne vital da disputa pelo poder.
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