“Eles são milicianos, eles não titubeiam em usar a violência, em cometer atentados. A nossa elite sempre usou da violência física, além da violência política”, alerta Roberto Baggio, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, falando ao TUTAMÉIA no dia seguinte à anulação de todas as condenações contra o ex-presidente da República, determinada pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal.
Coordenador da Vigília Lula Livre, erguida ao lado do prédio da Polícia Federal durante os 580 dias em que Lula esteve preso em Curitiba, Baggio considera a decisão judicial uma vitória: “Foi uma conquista. Não foi um regalo das elites. Foi uma conquista a partir das ilegalidades, dos crimes que parte do aparato estatal e o aparato repressivo cometeram, fragilizando nossa democracia. Revela o comportamento histórico de nossa elite, de sempre trair o povo, de perseguir e de calar a voz dos dirigentes populares. Considero uma vitória política do povo brasileiro e a desmoralização dos métodos eternos e permanentes de nossa burguesia, de sempre reprimir, iludir e enganar o nosso povo. É uma grande vitória popular o Lula recuperar seus plenos direitos políticos”.
O que não significa, adverte, que a situação esteja tranquila: “A gente precisa ter a consciência e a clareza necessárias de que o aparelho de Estado, em sua grande maioria, é um aparelho contra os interesses populares. A gente não pode, em nenhum momento, afrouxar a vigilância em torno do conjunto de iniciativas em que eles poderão voltar a insistir, de denunciar, de abrir novos processos, de querer prender o Lula. A gente sabe como funciona esse aparelho de estado repressor. Então o momento exige cautela, exige que fiquemos atentos”.
Mais ainda, alerta o dirigente do MST: “O povo brasileiro vai precisar cuidar da vida do Lula. Exige um conjunto de procedimentos, de cautela, que quem está mais próximo de Lula vai tomar essas medidas. Porque eles são milicianos, eles não titubeiam em usar a violência, em cometer atentados. A nossa elite sempre usou da violência física, além da violência política. Então, do Lula se exige esse cuidado pleno”.
Os riscos são grandes exatamente porque a devolução dos direitos do ex-presidente permite, no entender de Baggio, descortinar novas perspectivas para as lutas populares: “A partir disso começa a se abrir o cenário político nacional. Lula pode circular, pode andar –depois da pandemia—e fazer esse diálogo com a sociedade brasileira, com a população mais pobre. Espero que a partir de agora a gente possa ir construindo um grande processo de continuar o acúmulo de forças no sentido de estimular a organização popular, de formação de consciência, das lutas econômicas, das lutas sociais, desencadear um grande processo de resistência a essa ofensiva em que o Bolsonaro está destruindo nosso Brasil. Ao mesmo tempo, ir aglutinando um conjunto de iniciativas populares do que poderiam ser as primeiras medidas que o Lula poderia tomar logo em janeiro de 2023, no sentido da retomada de um projeto popular, soberano, autônomo no Brasil”.
HISTÓRIAS DA VIGÍLIA
Ao lado da avaliação sobre a situação presente do país, Roberto Baggio fala da memória e da história da Vigília Lula Livre, os seus momentos mais emocionantes e mais tensos, as agressões e as vitórias (clique no vídeo acima para ver a entrevista completa e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
Lembra a violência contra Lula: “Na Vigília, nós dizíamos que ele era um sequestrado político. Durante os 580 dias da Vigília, em todo os dias eram visíveis as irregularidades, os crimes, a perseguição, a violência, o massacre sobre o Lula. Às vezes, chegavam visitantes internacionais, a Polícia Federal proibia a entrada; às vezes, estava certo para ele dar entrevista para os meios de comunicação, se suspendia a visita; nos momentos em que ocorreram mortes de seus familiares, proibiram Lula de sair; nos finais de semana, eles justificavam com uma limpeza no espaço da Federal para não permitir que os advogados estivessem com ele no sábado nem no domingo, então ele ficava da sexta até a segunda incomunicável lá na sala. Enfim, um conjunto de ilegalidades permanentes; eram uma constante as ilegalidades políticas, jurídicas, uma violência constante sobre ele”.
Fala sobre a missão da Vigília: “O objetivo de tudo isso era desestruturar Lula. Queriam que ele ficasse doente, talvez até queriam que ele morresse. Mas acho que justamente a Vigília cumpriu essa missão histórica do afeto, do carinho, para ele sentir que, do lado de fora, a cem metros dele, o povo brasileiro estava lá, insistindo com ele, e nós jamais o abandonaríamos. Desde o dia sete de abril de 2018, quando ele chegou, às 21 horas, nós fizemos esse juramento, em torno das 23h40, meia noite, fizemos essa espécie de juramento coletivo: foi dado início à Vigília Lula Livre, e a Vigília tirou como meta que nós só iríamos desativar a Vigília com a liberdade do Lula, que o Lula pudesse falar para nós da Vigília. Foi essa nossa tarefa histórica nesses 580 dias justamente para libertar um ser humano sequestrado”.
PACIÊNCIA HISTÓRICA
Destaca a força política e ideológica dos militantes para enfrentar com serenidade as agressões: “No domingo, 8 de abril, a gente faz o primeiro ato de “Bom dia, presidente Lula!”. Nesse local, que ficou conhecido como praça Olga Benário, nos primeiros cem dias, todas as atividades se concentraram aí, e era uma batalha diária: violência, violência, violência sobre nossa Vigília. O objetivo da violência era que nós reagíssemos com violência, e daí eles iriam proibir tudo. Então nós tivemos essa santa paciência, histórica no sentido de não responder com violência às agressões recebidas, porque nosso objetivo era: vamos ficar o tempo necessário, se eles acabarem com a Vigília eles vão deixar o Lula apodrecer, e não vai ser mais notícia política. Vamos ter a estrutura política necessária para contornar qualquer tipo de agressão porque nosso objetivo era libertar o Lula desse sequestro”.
E continua: “Houve tiro, tiroteio, violência, quebra de aparelhos de som por policiais federais. Policias federais fardados saíram do prédio da PF e destruíram nossos aparelhos de som! Era uma violência constante. Tivemos a sabedoria e a paciência necessária para aguentar tudo isso, porque nosso objetivo era ter Lula livre. Nossa palavra de ordem era simples: Lula livre! E isso colou no Brasil todo, essa grande campanha: Lula inocente, Lula livre”.
PLANALTO POPULAR
A Vigília, afirma Baggio, foi uma demonstração do modo do povo de fazer política: “Vinham caravanas no Paraná inteiro, de todas as grandes regiões do Brasil, diariamente, semanalmente, caravanas que chegavam na sexta, voltavam no domingo à noite. Muita visitação internacional. Muita, muita gente. Impressionante o nível de solidariedade, as cartas, as mensagens, as formas de se manifestar eram muito diversas. Tudo isso alimentava a nossa resistência. Era visível que a Vigília era um espaço de luta política. Não tenho dúvida nenhuma de que, em alguns momentos, as figuras políticas que vinham visitar o Lula ganhavam muito mais destaque do que quem ia visitar Bolsonaro lá no Palácio do Planalto. O Planalto Popular era o Lula aqui em Curitiba. Sem dúvida nenhuma. Tinha muito mais repercussão política, muito mais representação do que os que iam visitar o Bolsonaro lá em Brasília”.
LULA LIVRE
“Foi uma grande festa popular. Mostra a força popular, a capacidade organizativa do povo, a solidariedade desse tempo todo. Foi alcançado o objetivo principal: soltar o Lula, ele sair pelas portas da frente da Polícia Federal, caminhar no meio do povo e fazer essa fala para o Brasil e para o mundo denunciando a perseguição e propondo a reconstrução do Brasil”.
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