“Boal fala que o teatro é desejo, o teatro é a busca de si mesmo no outro e do outro em si. No teatro você precisa falar a verdade, buscar a verdade, o olhar das pessoas. Não vejo outra coisa, hoje, tão pertinente quanto essa busca. A gente tem de se reinventar mesmo, a gente tem que se associar, encontrar essa verdade, explorar os nossos desejos, não ter medo dos nossos desejos. E ir para cima. Há medo? Sim, o medo está aí. Mas vamos usar o medo a favor, assumir ele, expor o seu medo para buscar novas conquistas. Acho que é esse o teatro hoje, a superação do medo.”
Palavras do ator Rogério Bandeira, que leva à cena o monólogo “Hamlet: 16 x 8”, baseado em “Hamlet e o Filho do Padeiro”, as memórias imaginadas de Augusto Boal. Para falar sobre a peça, Boal e o teatro hoje, TUTAMÉIA reúne Bandeira mais Marco Antonio Rodrigues, que dirige o trabalho, e a psicóloga Cecilia Boal, parceira de vida do dramaturgo e presidente do Instituto Augusto Boal (clique no vídeo para acompanhar a íntegra da conversa e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
GUERRA CULTURAL
“É uma alegria muito grande poder mexer com essas memórias do Boal, poder mexer com isso nesse momento que a gente está vivendo uma guerra cultural”, diz Rodrigues. “É muito importante fazer essa disputa de pensamento que o Boal propõe. É uma disputa de pensamento onde as humanidades têm proeminência. O Boal propõe espaços de re-existência. Nesse livro é muito claro como ele vai criando espaços, por todos os lugares por onde esse casal [Cecilia e Augusto] anda eles vão criando espaços, entendendo a arte como uma questão pública.”
Ele segue: “As nossas tentativas hoje têm de ser de fato de ações transculturais. Nós estamos muito identificados enquanto pensamento, enquanto inteligência. O campo progressista, o campo das esquerdas está muito dividido. Talvez a contribuição que os artistas possam dar possam trazer são de forma a agregar, promover uma ação mais transcultural e menos identificada, mesmo cada um no seu quintal, menos cada um tratando apenas do seu quintal”.
FIM DAS DEPRESSÕES E BOLA PRÁ FRENTE
Cecilia Boal fala do legado do criador do Teatro do Oprimido e das lutas de hoje:
“O Boal, enquanto não foi calado, ele falou. Mesmo depois de calado, ele continua falando. Ele era uma pessoa de uma extrema coerência, tinha suas crenças, acreditava firmemente naquilo e era isso que ele tentava fazer e colocar em prática. Eu tô vendo no momento isso acontecer também aqui. Uma coisa que me alegra muito é que, de modo geral, a chamada classe artística, as pessoas que se dedicam à música, ao teatro, eu sinto que elas estão bastante unidas. Isso é uma postura muito bonita, uma postura de bola prá frente.
“O fato é que a gente levou uma porrada, e uma porrada meio inesperada, mas é importante que a gente faça a nossa parte. A direita sempre vai fazer o trabalho dela. A gente agora vai querer que a direita seja de esquerda? Não! É ridículo! Nós é que temos de sustentar as nossas ideias e ir em frente com isso. Às vezes dá a impressão de que as pessoas ficam sentadas, esperando que a direita seja boazinha. A direita nunca vai ser boazinha; ela tem que ser denunciada, ela tem que ser combatida, porque ela é assassina, é perniciosa e tá acabando com o mundo.”
“Temos de fazer alguma coisa, e acho que estamos fazendo. Provavelmente mal, errando muito, mas não ficando parado. Era um pouco a postura do Boal. Ele fazia muita coisa errada, mas sempre ia em frente: bola prá frente, bola prá frente, e eu procuro me lembrar disso, me espelhar nisso e não sentar mais para chorar. Acabou o tempo das depressões, sabe, por mais que o tempo seja deprimente.”
A INTELIGÊNCIA NÃO ESTÁ MORTA
Reflexão que é compartilhada por Marco Antonio Rodrigues:
“A gente fica resistindo o tempo todo, e resistir fica um trabalho insano. Os caras queimam museu, a gente sai correndo atrás do museu, os caras queimam a Cinemateca, a gente vai correndo atrás da Cinemateca. São tarefas que a gente tem de fazer, mas isso tira um pouco a nossa capacidade de imaginar outras possibilidades do mundo. A gente fica muito ocupada com esse cotidiano, com esse dia a dia, e tudo isso diz respeito de fato ao campo do imaginário. O imaginário foi sequestrado, o simbólico foi sequestrado. Acho que a luta ou o empenho ou a festa, a brincadeira da gente é resgatar isso, possibilitar outros olhares, outras visões de mundo.”
E prossegue: “Pessoas como o Boal trazem para a gente essa imagem matriz, para olhar o futuro, para imaginar que o futuro não é isso, o futuro não pode ser esse deserto. A gente tem que ter outras possibilidades, e isso está muito na mão da arte, da imprensa alternativa, é onde a gente está fazendo essa disputa. Enfim, a inteligência não está morta. Como juntar tudo isso é o grande trabalho que a gente, enquanto artista, pode ajudar a fazer. A gente nunca viveu uma tragédia como essa no país, juntando o Bolsonaro com as sete pragas do Egito representadas pela covid, realmente é um buraco muito difícil. Mas ao mesmo tempo é isto: como o deserto está instalado, existem todas essas possibilidades de criação a partir daí.
FORÇA COLETIVA
A palavra volta a Bandeira:
“O Boal e toda a turma, eles tinham esse lugar de manter sempre viva essa força coletiva, sem vitimismo. O Boal foi preso, torturado, e isso está relatado no livro. Só que ele relata nunca de uma forma voltada para o vitimismo. Muito pelo contrário. Não dá para ficar preso ao passado: a gente tem que caminhar, tem que seguir, encontrar novas possibilidades, sem se apegar às grandes tragédias ou às grandes conquistas. Acho que também por isso a gente está se apropriando do livro, porque o Boal fez do passado presença e futuro. Taí o Teatro do Oprimido pulsando, e nunca tão forte. É como precisa ser hoje: agregar as pessoas, juntar, a gente tem de entender qual é a nossa turma e se unir cada vez mais. O Brecht diz que, quando a gente identifica o mal fica mais fácil de você ver com quem que você se alia.”
“A proposta nossa hoje é: voltem ao teatro. Fica aí a mensagem para que a gente não desista. Eu acho que a gente tá vendo uma nova uma nova fase, uma nova escrita do teatro. É muito importante para a gente de alguma maneira se unir para que que a gente volte a ter novas conquistas através dessa potência que a arte, que o teatro promove.”
AFIRMAÇÃO DO DESEJO E DA VIDA
Cecilia Boal encerra:
“Você perguntou o que o teatro pode contribuir em momentos históricos como este que vivemos. A proposta do Teatro de Arena –e acho que de qualquer teatro—é que você pense e que você fale, que você diga o que você pensa. Nessa medida, todos temos a contribuir. Se tem pouca gente que escuta, pouco importa, o que importa é que você seja coerente com aquilo que você quer, com aquilo que você pensa.”
“Desejo uma longa vida ao filho do padeiro, a Hamlet, ao teatro, porque realmente é uma afirmação do desejo. No meio neste desse pandemônio, dessa pandemia, afirmar o desejo é o que a gente necessita, é o que a gente tem que fazer: é uma afirmação da vida diante de tanta morte.”
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