“A gente, aqui, hoje, jornalista, a gente tem um alvo na testa”, afirma, alerta, denuncia a premiada jornalista Patrícia Campos Mello, autora de reportagem que escancarou, com documentos e testemunhos, o uso de notícias falsas e o disparo em massa, ilegal, de mensagens de Whats App nas eleições presidenciais de 2018 no Brasil. Em entrevista ao TUTAMÉIA, ela fala sobre o processo de destruição de reputação realizado pelo de chama de MÁQUINA DE ÓDIO – título do livro que está lançando.
“As pessoas têm essa ideia de que o gabinete do ódio [do presidente Bolsonaro] faz tudo. Não acho que é “o” gabinete do ódio, acho que é uma máquina do ódio, porque é sempre um ecossistema. São os caras, assessores do Bolsonaro, mais os blogs de direita, mais os legisladores, mais o próprio Bolsonaro, mais pessoas de carne e osso. Esse ecossistema é uma máquina do ódio.”
Ela explica como esse sistema, que também inclui a “mídia profissional amigável”, atua: “Faz parte da máquina do ódio assassinato de reputação de qualquer pessoa que ameace a sua narrativa: Felipe Neto, jornalistas, para você manter esse controle da sua narrativa pelas redes sociais, pela comunicação direta, você tem de descredibilizar a mídia e qualquer oposição que seja uma ameaça.”
No livro, publicado pela Companhia das Letras, Mello escancara os intestinos das operações dessa máquina, comenta os interesses políticos e econômicos envolvidos, registra a leniência das instituições em relação às denúncias envolvendo a campanha de Bolsonaro.
Na introdução, ela conta como tudo começou e como ela mesma virou vítima de assassinato de reputação outros ataques provindos do ecossistema bolsonarista:
“Desde 18 de outubro de 2018 vivo num mundo bizarro. Naquela quinta-feira, publiquei na Folha de S.Paulo, jornal onde trabalho há nove anos, uma reportagem sobre o disparo em massa de mensagens por WhatsApp contra Fernando Haddad, na ocasião candidato do PT à Presidência. Faltavam dez dias para o segundo turno da eleição, marcado para 28 de outubro. A matéria trazia à baila a existência de empresários que planejavam contratar agências de marketing para enviar milhões de mensagens e influenciar o resultado. O esquema feria a legislação eleitoral brasileira em diversos aspectos. (…) A notícia caiu como uma bomba e foi usada politicamente pelos dois lados. Com base na matéria, o PT e outros adversários de Jair Bolsonaro pressionaram pela impugnação de sua candidatura. Já os apoiadores do ex-capitão do Exército — que afirmara que as eleições haviam sido fraudadas e que ele tinha vencido já no primeiro turno — espalharam que a matéria era falsa e que a Folha apoiava o candidato do PT. Mas a coisa não parou por aí. A reportagem foi publicada no site do jornal às duas horas da manhã do dia 18 de outubro. Pouco depois, comecei a sofrer um processo de desconstrução nas redes sociais.”
Na entrevista ao TUTAMÉIA, a repórter conta como foi perseguida, assediada, ofendida, ameaçada pela trupe bolsonarista (clique no link acima para ver a íntegra e se inscreva no TUTAMÉIA TV). As agressões, memes e vídeos, de modo geral, apelavam para o machismo mais baixo, obsceno. Culminaram com a fala grotesca, também de cunho sexual, do presidente Bolsonaro sobre a repórter. Mas não ficaram sem resposta, lembra Mello:
“A reação às coisas que eles falaram foi maciça. A rede de solidariedade foi muito forte. Existe uma minoria muito barulhenta, não são os 30%, talvez uns 15%, esse pessoal que foi emancipado do politicamente correto e deixou fluir toda a misoginia, toda a homofobia, e eles são muito estridentes, barulhentos. Mas acho que são uma minoria. Não é admissível, mas ainda funciona muito bem com essa minoria mais fanática de apoiadores, que é mais estridente que o resto, ou usa mais robôs que o resto.”
Das ofensas, a máquina de ódio passou às ameaças –ao ponto de a Folha colocar um guarda-costas acompanhando a repórter em eventos públicos.
“Foi o momento mais tenso que vivi”, afirma Patrícia Campos Mello, que cobriu guerras e conflitos em vários pontos do planeta.
Ela lembra que o “trabalho” dos chamados “haters” parece não ter fim. Cita, por exemplo, entrevista que fez com o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, compartilhada pelo entrevistado nas redes sociais:
“Em uma hora, 400 comentários, [como]o senhor tinha de usar duas camisinhas para fala r com essa fulana e daí para baixo. Ela vai dar o furo. As coisas mais nojentas. Isso continuam fazendo em qualquer reportagem que eu faça.”
Por isso, ela afirma:
“A gente, aqui, hoje, jornalista, a gente tem um alvo na testa. Porque o cara vai botar o seu nome, o nome da sua família, você está sendo alvejado. Isso é muito bizarro. A gente fazer parte de uma história, sendo que a gente não faz parte da história, a gente está fazendo uma reportagem. Não é coluna de opinião. Eles pegam reportagens, expõem o nome da pessoa. Nesse sentido, é pior [do que a cobertura de guerras e conflitos]. A gente não tem posição privilegiada de narrador/observador. A gente começa a ser alvo. É muito bizarro.”
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