“As semelhanças do Brasil com a Rússia às vezes são perturbadoras. Lá também teve um regime de trabalho servil. Não era exatamente escravidão porque não trouxeram de outro continente, eles aprisionaram o próprio povo. A servidão na Rússia foi abolida em 1861, ainda antes, claro, da nossa tardia abolição aqui no Brasil. A servidão não era igual, mas foi endurecendo, ficando cada vez mais próxima do regime de escravidão, com o senhor tendo direito quase ilimitado sobre o servo, inclusive de compra e venda.”
O comentário é do jornalista Irineu Franco Perpetuo, que falou ao TUTAMÉIA sobre seu mais recente livro, “Como Ler os Russos” (editora Todavia). O livro não apenas traça um panorama da literatura russa como a conhecemos, a partir do século 19, mas busca as profundezas do ser russo, traduzido em escrita, desde a própria fundação do que viria a ser aquele país imenso, no final do primeiro milênio.
Conversamos, assim, sobre Tolstói e Dostoievski, claro, mas também sobre a literatura feita por mulheres –menos conhecida pelos recantos de cá, mas nem de longe menos poderosa (clique no vídeo acima para ver a entrevista completa e se inscreva no TUTAMÉIA TV). Sobre Púchkin e seus personagens assim como sobre os ataques às primeiras tentativas de instalação de uma gráfica para imprimir livros no país.
Irineu, que é também um apaixonado pela música erudita –não deixe de ver as entrevistas que ele deu ao TUTAMÉIA sobre Verdi e Beethoven–, comentou ainda sobre o diálogo entre música e literatura na Rússia, assim como seu entreveramento com o teatro. Com tudo na vida, na verdade: “A literatura faz muito parte da vida dos russos, porque a literatura lá na Rússia sempre foi mais do que literatura, ela acabou ocupando vicariamente o espaço das outras ciências humanas, acabou trazendo para dentro de si todas as grandes discussões que não podiam ser travadas fora da esfera literária”.
O jornalista também nos conta sobre outra de suas atividades, a tradução. Acaba de chegar ao mercado, pela editora 34, sua tradução de “Anna Kariênina”, de Tolstoi.
Falamos sobre a obra e a personagem, claro. E, ainda que sejam, criador e criatura, dos mais comentados nos circuitos literários, não é demais trazer aqui um trecho da orelha do livro, assinada por Milton Hatoum: “Anna situa-se no centro dos afetos e das paixões extremadas. Ela fascina o leitor por sua beleza, encanto e inteligência, mas principalmente pelo seu caráter, pela decisão corajosa de viver até o fim uma história de amor, a despeito de tantas adversidades”.
Sobre o ofício de tradutor, Perpetuo diz: “Quanto mais distante no tempo e no espaço estiver o autor, quanto mais distante for a cultura, mais complicado é traduzir a obra literária, porque você vai ter [na sua vida] menos equivalências”.
E lembra: “Na literatura russa, tenho orgulho de ter traduzido o primeiro livro de um grande nome que tratou o camponês russo como ser humano, um livro que é tido como a grande influência para que houvesse a abolição da servidão. O livro é “As Memórias de Um Caçador”, de Ivan Turgueniev, que é publicado em 1852. No livro, a caça é um pretexto para a mobilidade, para ele poder se deslocar no campo e descrever o campo russo e descrever a vida do camponês. Descreve os senhores de forma muito irônica, muito satírica, e trata o camponês como gente. Isso é um marco na literatura”.
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