“Estamos diante de um momento na História em que silenciar-se equivale a compactuar com um dos mais brutais genocídios que a humanidade já viu. A contagem dos mortos cresce num compasso que desafia a imaginação. A cada dez minutos, uma criança é enterrada sob os escombros. Não há mais cemitério na Faixa de Gaza, apenas valas comuns. É urgente paralisar o massacre perpetrado por Israel, enfrentar a brutal ocupação militar dos territórios palestinos da Cisjordânia e Faixa de Gaza, a anexação ilegal e limpeza étnica de Jerusalém Oriental, o sistema de segregação, humilhação e apartheid exercido sobre os palestinos de toda a Palestina histórica.”

Assim começa manifesto assinado por intelectuais, artistas e acadêmicos brasileiros pelo fim do genocídio em Gaza e pela libertação imediata do povo palestino. Tendo como subscritores originais figuras como Anita Leocádia Prestes, Paulo Betti, Leda Paulani, Fernando Novaes, Marilena Chauí, Carlos Guilherme Mota, Maria Victoria Benevides, Milton Hatoum. Dora Longo Bahia e Paulo Sérgio Pinheiro, o abaixo-assinado, que já conta com milhares de assinaturas e está disponível na internet para novos apoios, é uma das primeiras manifestações da academia a respeito da luta do povo palestino pela libertação, contra o massacre realizado em Gaza pelo governo de Israel.

Um dos organizadores do movimento, o filósofo Vladimir Safatle fala ao TUTAMÉIA sobre as razões do apoio à resistência palestina. “É a maior crise humanitária que que a humanidade conhece desde o fim da Segunda Guerra Mundial”, diz o professor da USP (clique no vídeo acima para ver a entrevista completa e se inscreva no TUTAMÉIA TV).

Ao longo da conversa, Safatle faz um histórico da situação da Palestina e constata que o mundo parece ter aceito o que chama de “normalização da violência estatal” cometida pelo governo de Israel contra a população de Gaza.

Comenta também a falta de engajamento dos grandes partidos brasileiros de esquerda nesse movimento de solidariedade, fala sobre o que chama de “força teológica-política” que organiza a sociedade e afirma que o governo de Israel não tem nenhum interesse em acabar com a matança: “O interesse de Israel é gerenciar uma guerra infinita”.

Interesse casado com o da extrema direita internacional, na avaliação de Safatle, que também comenta as relações entre Israel e Estados Unidos: “A extrema direita quer gerenciar o caos, ela cresce em situações de caos generalizado”.

Sobre os desdobramentos da situação em Gaza, o filósofo afirma que a única saída é que a comunidade internacional consiga forçar Israel a se submeter às leis internacionais –o que não faz há muitos e muitos anos.

Leia a seguir a íntegra do manifesto, que pode ser assinado AQUI.

BASTA AO GENOCÍDIO EM GAZA!

Manifesto de Intelectuais, Artistas e Acadêmicos Brasileiros pelo fim do genocídio e pela libertação imediata do povo palestino!

Estamos diante de um momento na História em que silenciar-se equivale a compactuar com um dos mais brutais genocídios que a humanidade já viu. A contagem dos mortos cresce num compasso que desafia a imaginação. A cada dez minutos, uma criança é enterrada sob os escombros. Em três semanas, contabilizam-se 8 mil mortos, sem contar as centenas cujos nomes não foram registrados porque permanecem anônimos debaixo de pilhas de concreto e arame retorcido. As crianças marcam seus nomes nos braços para não virarem números, para que suas identidades possam ser preservadas em algum registro, alguma memória. Não há mais cemitério na Faixa de Gaza, apenas valas comuns. Não há mais ingenuidade, nem infância, pois os jovens que restam estão traumatizados pelo resto de suas existências.

Diante desse quadro, o silêncio torna-se impossível. É urgente paralisar o massacre perpetrado por Israel, enfrentar a brutal ocupação militar dos territórios palestinos da Cisjordânia e Faixa de Gaza, a anexação ilegal e limpeza étnica de Jerusalém Oriental, o sistema de segregação, humilhação e apartheid exercido sobre os palestinos de toda a Palestina histórica, incluindo o território do Estado de Israel onde representam 20% da população, a transformação da Faixa de Gaza em uma prisão a céu aberto, onde toda uma geração já nasceu, cresceu e em boa parte, morreu, sem ter a permissão de conhecer uma franja sequer do mundo ao seu redor. São prisioneiros de um gueto que hoje virou, definitivamente, um campo de extermínio.

Diante da falência do sistema internacional, da cumplicidade e conivência da União Europeia, do apoio incondicional e ultrajante dos Estados Unidos, apelamos às autoridades para que o governo brasileiro:

i) sinalize de maneira enfática que não estamos dispostos a compactuar com o crime contra a humanidade em perpetuação na Faixa de Gaza; nem com a sua extensão, já em curso, para toda a Cisjordânia;

ii) se una a todos os países que estejam dispostos a sustentar a lei internacional de maneira clara e consequente na Palestina;

iii) revogue imediatamente todos os acordos militares e de segurança já firmados com o Estado de Israel;

iv) apoie a reativação do Comitê da ONU contra o crime de apartheid, para que ele possa averiguar e encaminhar para julgamento o caso atualmente em curso no território da Palestina histórica.

GENOCÍDIO PLANEJADO

Na série de entrevistas que TUTAMÉIA vem fazendo desde o início dos ataques de Israel a Gaza, conversamos com Ualid Rabat, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (clique no vídeo acima para ver a entrevista completa).

Ele faz um balanço da situação do povo palestino depois de um mês de bombardeios realizados por Israel.

Afirma que a população de Gaza vive em condições no mínimo análogas às dos campos de concentração nazista. Cita números no morticínio: no domingo, 5.11, morreram quatro crianças a cada quinze minutos em Gaza, vítimas dos ataques de Israel.

Rabat afirma que o extermínio de mulheres e crianças faz parte de uma tentativa de esterilização da sociedade palestina a médio e longo prazo.

O dirigente da Fepal também analisa os interesses econômicos que estão por trás dos ataques de Israel. Avalia que essa guerra, assim como a dos Estados Unidos e da Otan contra a Rússia, na Ucrânia, integra projeto de dominação dos EUA.

MANIFESTAÇÃO EM SÃO PAULO

O apoio à causa palestina também vem se manifestando nas ruas de todo o mundo. O sábado quatro de novembro foi marcado por atos públicos e marchas em todo o planeta. Uma das maiores foi realizada em Washington, quando mais de cem mil pessoas se reuniram para exigir o fim do genocídio e o fim do apoio do governo dos Estados Unidos à matança promovida por Israel.

No Brasil, houve manifestações em quase todas as capitais. Em São Paulo, mais de cinco mil pessoas saíram às ruas, naquela que foi a maior marcha desse tipo até agora, na cidade.

Os manifestantes se concentraram na avenida Paulista, em frente ao Masp, e depois saíram em caminhada descendo a rua da Consolação em direção ao centro, terminando na praça Roosevelt.

Havia representação de movimentos populares, como o MST e MTST, assim como de organizações de direitos humanos e entidade de solidariedade à causa palestina. Religiosos como o padre Júlio Lancelotti disseram presente, mas não foram vistas representações oficiais dos grandes partidos progressistas e nem mesmo de parlamentares que costumeiramente apoiam essas manifestações (aliás, esse é também um tema tratado pelo professor Vladimir Safatle na entrevista citada no início deste texto).

TUTAMÉIA estava lá e fez o registro do evento, como pode ser visto no breve vídeo acima.

PARA COMPLETAR, UM POUCO DE HISTÓRIA

Desde o início de outubro, as redes sociais e a mídia em geral estão cobertas de publicações falando sobre a Palestina, a história do conflito, os 75 anos de ocupação do território palestino por Israel, a Nakba, a formação do Hamas –enfim, o contexto histórico-político para entender o que ocorre em Gaza.

Para colaborar nesse debate, TUTAMÉIA ouviu Isabela Agostinelli, doutora em Relações Internacionais e pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI) da PUC-SP (confira a íntegra da entrevista clicando no vídeo acima).

Ela afirma que o projeto colonial de Israel na Faixa de Gaza é “o melhor exemplo de necropolítica, de ter a morte como política de ocupação”.

Autora da tese de doutorado “Morte e vida palestina: a reorientação tática do colonialismo israelense”, Agostinelli traça na entrevista um panorama histórico da ocupação na Faixa de Gaza, que chama de “prisão a céu aberto”.

Fala também sobre a formação e o desenrolar da resistência do povo palestino, assim como sobre o surgimento de grupos políticos e de seus braços armados. Comenta ainda o papel dos Estados Unidos na manutenção do estado de guerra permanente na região.