“Ouro Para o Bem do Brasil” foi a campanha engendrada pelos Diários Associados, em estreita parceria com as forças no comando, nem bem tinha se instalado o novo poder depois do golpe militar de primeiro de abril de 1964. Então a mais poderosa cadeia de mídia do país, a rede usou sua força para conquistar corações e mentes, arrecadar mundos e fundos, numa mobilização para tentar fortalecer o apoio ideológico à ditadura.

Com título que combina os dois temas –ataque à democracia e assalto ao bolso–, o filme “Golpe de Ouro” faz daquela história mote para discutir o período da ditadura militar, sem deixar de trazer provocações sobre a condição vivida hoje em nosso país. O documentário é obra de Chaim Litewski, que dirigiu o histórico “Cidadão Boilesen”, apontado como um dos 25 melhores documentários da história do cinema brasileiro, e faz sua estreia mundial no festival É Tudo Verdade, em curso agora em São Paulo.

“O filme é um caldeirão onde a gente põe um monte de coisas –documentos, fotos, filmes, depoimentos–, e a gente quer que as pessoas tirem suas próprias conclusões. É uma tentativa de mostrar um fato importante da história, de entender por que esse fato ocorreu e qual foi o contexto. E a gente fala um pouquinho do que veio antes, porque essas coisas simplesmente não caem de paraquedas em cima da tua mesa, há um processo: o golpe de 1964 foi articulado de uma maneira, aquela ideia de ‘vamos limpar o Brasil, vamos tirar esses vermes’, o mesmo discurso que está aí: ‘matar as baratas, acabar com a corrupção’, e essa noção de patriotismo. Essa é uma coisa que chama a atenção: o que é, efetivamente, ser patriota? É vestir uma camisa do Brasil? Isso é patriotismo? É lutar por um regime imaginário, que só existe praticamente no teu cérebro, mas não tem nenhuma conotação histórica real?”

As indagações de Litewski são feitas em entrevista ao TUTAMÉIA no último 8 de abril, dia do início do festival e primeira apresentação pública de seu mais recente trabalho. Na conversa, o diretor sublinha as parecenças entre o período retratado no filme e os dias correntes, especialmente no que se refere aos chefões, aos poderosos, aos que circulam em torno do poder.

“É o mesmo grupo de atores. Poderia se considerar que esses caras não podem participar da vida democrática normal pelo que fizeram no passado, eles têm de ser responsáveis pelas decisões que tomaram no passado e têm de ser responsabilizados. Tem de ser dito: vocês apoiaram isso e isso e isso e vocês estão apoiando isso aqui, agora. Espero que o filme incite um pouco essa discussão. Foque um pouco nesses atores e leve a discussão sobre esse apoio constante que esses grupos oferecem a esses atores, que acabam interferindo diretamente no processo democrático brasileiro.  Se o filme levar um pouco a essa discussão, vai me deixar feliz.”

Chaim Litewsky, jornalista que vive há décadas em Nova York, também falou sobre a gênese de seu filme (clique no vídeo para ver a entrevista completa e se inscreva no TUTAMÉIA TV): “Quando me aposentei na ONU, há cerca de quatro anos e meio, pensei no que queria fazer na aposentadoria. Quis revisitar algumas coisas de minha infância e adolescência. Tive a ideia de fazer três filmes, uma trilogia que a gente está chamando de “Ó, Meu Brasil”. GOLPE DE OURO é o primeiro filme dessa trilogia. Em breve, já está saindo o segundo e logo o terceiro. Todos lidam mais ou menos com a mesma época, de 1960 a 1965, aproximadamente”.

 

Assim ele apresenta cada título da série:

“GOLPE DE OURO trata dessa campanha, Ouro para o Bem do Brasil, que foi organizada pelos Diários e Emissoras Associados, em São Paulo, mas se espalhou pelo Brasil. Foi uma campanha feita juntamente com o governo, com a ditadura –a campanha começou seis, sete semanas após o golpe militar de 1964, e essa campanha encorajava a população a doar ouro, dinheiro e objetos de valor para ajudar a recuperar a economia brasileira. Eu me lembro muito bem dessa campanha, tinha dez anos na época. O segundo filme, que está em processo de finalização, se chama GUERRA DA LAGOSTA, que foi um entrevero diplomático, quase militar, que ocorreu entre Brasil e França entre 1961 1963. E o terceiro filme se chama BRASIL PARA PRINCIPIANTES, que é uma biografia de um sujeito chamado Peter Kellerman, que escreveu um livro chamado “Brasil Para principiantes” e foi dono de uma coisa chamada Carnê Fartura, que revolucionou a televisão brasileira, foi um dos principais anunciantes do Brasil no começo dos anos 1960.”

E conta um pouco mais sobre “Golpe de Ouro”: “O filme dá um panorama da época, o que estava acontecendo no Brasil naquele momento, no pós-golpe, fala um pouco da história pregressa do golpe, para contextualizar um pouco, dá subsídios para se ter uma noção do que estava acontecendo, dá uma ideia do processo de 1961 a 1964, que levou ao golpe, e depois, o que acontece imediatamente depois do golpe de 1964. Também mostra o que acontece após a campanha, a gente procura descrever o que aconteceu ao término da campanha, com o que foi arrecadado.”

E segue: “O filme também trata das dificuldades de se fazer cinema, documentários históricos no país., Mostra como é difícil fazer certo tipo de filme sobre a histórica recente do Brasil, pela dificuldade de acesso a documentos, a materiais audiovisuais, as dificuldades que os arquivos brasileiros estão passando neste momento, uma crise gravíssima em quase todos os arquivos brasileiros, e a dificuldade de obter documentação governamental sobre esses fatos políticos.”

Mas “Golpe de Ouro” não fica apenas no passado, coloca suas lentes também sobre o agora, conta Litewski: “O filme vem até os nossos dias, comparando um pouco, no final, com a situação presente, mostrando a iconografia de hoje em dia, que é muito parecida com iconografia que foi usada naquela época. Essa mescla de pensamentos, de medos, de paranoias, de problemas, e o que leva as pessoas a aceitarem esses argumentos. Não consigo entende por que as pessoas continuam acreditando nessa ladainha. Mas que dá certo, dá, é só abrir os olhos e ver o que está acontecendo ao seu redor”.

Em resumo, diz o cineasta, “É uma tentativa. Não é uma aula de história, mas é uma discussão sobre um tema que eu considero importante, que tem muito a ver com a minha infância, porque eu vivi isso e tinha memórias disso. É uma tentativa de pôr um pouco em aberto esse período tão falado, mas tão pouco conhecido da história do Brasil”.

ONDE ASSISTIR:
GOLPE DE OURO no festival É Tudo Verdade: CLIQUE AQUI para ter mais informações.