A cada eleição, depois de todos terem votado, a família Bracher se reúne para o almoço na casa do patriarca, Fernão, presidente do Banco Central no governo Sarney e banqueiro (BBA e Itaú).

O encontro deste ano, depois da votação no primeiro turno, teve muita emoção e tristeza, como contou ao TUTAMÉIA a escritora Beatriz Bracher. Eis seu relato:

“Meu filho está bem seguro de que, se o Bolsonaro ganhar, ele vai sair do Brasil. Ele é casado com a Júlia Murat, que é filha da Lucia Murat, que foi torturada. Enfim, esses absurdos… Então, eles acham que vão sair.

“Eu tenho um irmão, o caçula, que é arquiteto, e que também tem quatro filhos… São sempre os que têm filhos pequenos. Acho que não querem que os filhos sejam educados em um país em que um homem chama a mulher de vagabunda em público. Nem em privado deve chamar, mas em público potencializa a ofensa e a falta de vergonha de quem faz isso. Esse meu irmão que tem quatro filhos pequenos também está pensando em sair, se o Bolsonaro ganhar.

“Quando eles falaram isso para o meu pai, ele ficou muito triste. A gente tem um ramo da família que veio do Líbano, um ramo que veio da Suíça e um ramo bem do Brasil, e ele falou: “Não, tem de ficar aqui e tem de lutar por um Brasil melhor. Não pode sair.”

TORTURA

Beatriz Bracher está lutando.  Apoiadora do PSDB e se definindo como de centro no espectro político, ela vem participando de movimento para denunciar a candidatura de Bolsonaro e apoiar, em defesa do Brasil e da democracia, a candidatura de Fernando Haddad.

“Eu sou tão de centro que acho que o impeachment não foi golpe”, disse ela ao TUTAMÉIA (veja a íntegra da entrevista no vídeo acima). E prossegue: “Não fui a favor do impeachment, mas houve dois julgamentos. Agora, nesse impeachment, o Bolsonaro fazer uma homenagem ao Brilhante Ustra, que torturou a Dilma, isso é sádico!”

“Quando alguém homenageia uma pessoa que fez mulheres se sentarem nuas, numa cadeira,. Amarradas, com fios elétricos na vagina e no ânus. Quando essa mulher estava desfigurada, suja, levam o filho dela, de seis anos, para ver, eu não entendo…”, parando de falar interrompida pelo choro.

Essa violência faz com que Beatriz Bracher –autora premiada e roteirista de cinema– se movimente e busque arregimentar seus pares para defender a democracia:

“Eu não sou uma pessoa política, eu tenho aflição de estar em grupo, eu preciso muita autonomia, ter independência… O trabalho de escrita é um trabalho solitário, eu adoro a solidão. Para mim, é um esforço estar me mobilizando. Apesar de discordar do programa dele –a coisa ambiental vai ser irreversível, e isso é muito sério–, eu sou uma pessoa egoísta, eu não estaria me mobilizando. Agora, uma pessoa que fala de torturador, uma pessoa que fala que vai aumentar o número de ministros do STF, uma pessoa que fala que quem não concorda tem de sair do país ou vai ser preso, que fala de metralhar…”

Por isso, ela diz: “Eu acho uma desumanidade votar nele. Ou uma ignorância.”

APOIOS HISTÓRICOS

E prossegue:

“Bolsonaro precisa ser parado agora. E acho que vai ser parado. Tem muita gente tomando consciência agora. O Fernando Henrique não deu seu apoio –[não disse] “Eu vou votar no Haddad–, mas na hora em que ele fala que é para se preocupar em relação ao Bolsonaro, que ele diz que vão vai votar no Bolsonaro, é óbvio que ele vai votar no Haddad. Ele não declarou, mas tudo o que ele está dizendo vai nessa direção.

“Outras pessoas importantes do PSDB e que são pessoas responsáveis, pessoas que também acham que o PT tem uma parcela de responsabilidade que levou a isso tudo, essas pessoas, como [Alberto] Goldman, como José Gregori, como José Carlos Dias, essas pessoas declararam explicitamente o voto no Haddad. A Marina Silva, que foi trucidada pelo PT, declarou o voto no Haddad.

“Essas pessoas sabem a história que carregam consigo. Não é questão se elas vão levar seus eleitores consigo, elas levam a história delas. O fato de elas serem as guardiãs de sua própria história, que é a história do Brasil, quase que as obriga, moralmente. Ninguém precisou obrigá-las a apoiar o Haddad. Tudo o que elas fizeram pelo Brasil… Agora o país está ameaçado de novo, então a gente tem de votar no Haddad. Acho que isso pode levar muitos eleitores para o Haddad. Acho que dá tempo de virar.”

Não que ela tenha muito apreço ao PT. Ao contrário, apresenta sérias críticas ao partido: “Entendo todo o mal que o PT fez, entendo o aparelhamento do Estado, da corrupção. Sei que isso é um mal para a democracia. Entendo que isso tudo são questões que minam a democracia. Mas a gente vive em um estado democrático, depois de 13 anos de governo do PT. É um partido que é democrático, que respeita as regras e a quem é possível fazer oposição”, afirma.

Oposição que, no entender dela, não seria possível, não seria permitida em um eventual governo Bolsonaro –alerta que faz a membros da elite, que considera equivocados:

“Ele está falando que vai militarizar. Eu acho que os militares são muito melhores do que ele. Acho que as Forças Armadas, hoje em dia, são defensoras da Constituição, da democracia. Não acho que automaticamente vá acontecer um golpe. Mas um Presidente da República tem muito poder, e mesmo sem ir contra a Constituição –coisa que eu acho que ela vai–, ele pode gerar muita violência, gerar muito mal. Achar que o Congresso vai ser capaz de fazer oposição a ele, eu acho um risco muito grande, porque inclusive eu acho que ele pode fechar o Congresso. Acredito que não vai ser possível fazer oposição a ele.”

MANIFESTO

Por isso mesmo –até para poder fazer oposição—é que ela vem defendendo a opção democrática. Ajudou a organizar um manifesto em defesa de uma frente progressistas que reuniu mais de 22 mil assinaturas, contando com o apoio de figuras como de intelectuais, escritores, poetas, políticos, empresários, muitos deles adversários históricos do PT, mas hoje irmanados nesse projeto de defesa da Nação.

Henri Philippe Reichstul, Arnaldo Jabor, Jorge da Cunha Lima, José Gregori, Gilberto Gil, o professor Pasquale e o cineasta Walter Salles são alguns dos apoiadores do chamado “por uma frente progressistas do tamanho do Brasil”. Ao contar sobre a articulação, Beatriz Bracher começa explicando por que escolheram o verde-amarelo –tão usado pelos apoiadores de Bolsonaro em manifestações—como pano de fundo do texto publicado em jornais do país inteiro:

“Elas não vão roubar o verde-amarelo de nós, são as cores do Brasil. Quem fez isso foi um grupo de artistas, escritores. Começou com a Mari Stockler. Havia um grupo de amigos, me chamaram, chamaram a Lilia Schwartz, que é historiadora, que escreveu o texto do manifesto, que é lindo [leia íntegra ao final].

“Tem uma coisa histórica. Dá uma coisa de um compromisso com a democracia, que não é de hoje. É uma coisa pela qual muita gente lutou. Teve os exilados, mas teve Ulysses Guimarães, teve Franco Montoro, Teotônio Vilela, esse pessoal que venceu [a ditadura]. Também os professores nas escolas, as pessoas dignas e decentes. A democracia foi defendida por muitos brasileiros. E o texto dá esse sentido.”

Ela continua: “Hoje a democracia está ameaçada. Cobramos das lideranças uma união por uma frente progressista.”

Sobre a participação de adversários do PT no documento, ela diz:

“Essas pessoas, ao apoiarem o Haddad, estão se mostrando maior do que o PT. Isso é importante, é essencial. Elas não são obrigadas a fazer isso, a história delas é isso. Eu acho que, se o Fernando Henrique ainda não declarou, em alto e bom som, o seu voto em Haddad, espero que o faça. Espero que o faça de uma maneira muito enfática.”

E segue:

“Todos poderiam ser mais enfáticos [no apoio], não só ser contra o Bolsonaro. Steven Levitsky, autor de “Como as Democracias Morrem”, diz que, para há sempre uma elite política tradicional que, de alguma maneira, deixa isso acontecer isso. Para essa elite, não se aliar ao inimigo autoritário é fácil. Mas se aliar ao inimigo histórico, isso é difícil. E é isso que é necessário fazer agora: inimigos históricos, mas democráticos, se unirem em torno do Haddad. É isso.”

E prossegue: “Assim que o Haddad ganhar, começa a oposição ao Haddad. Começa uma oposição democrática a um governo democrático”.

VIRADA

Ressalta as qualidades democrática do candidato petista:

“O Haddad foi prefeito de são Paulo. Foi um prefeito muito bom. Deixou as finanças em ordem. Foi um prefeito mais responsável do que muitos outros, que não foram do PT. Foi um prefeito que negociou com a Câmara dos Vereadores incansavelmente. Foi um prefeito que nunca usou nenhum mecanismo de Estado para ameaçar alguém…  O PT sempre respeitou todas as instâncias democráticas. E o Haddad, especificamente, dentro do PT. Acho que é hora de apoiar o Haddad.”

A oposição a Bolsonaro, diz Beatriz Bracher, é feita também no âmbito estadual, neste segundo turno:

“Aqui em São Paulo, vou votar contra o Dória, apesar de não conhecer o Márcio França –e parece que ele não é muito boa pessoa também. O Dória apoia o Bolsonaro, então acho que isso é impossível. Além disso, ele vai acabar de enterrar o que sobrou do PSDB. E não sobrou quase nada. O Dória é a antítese do que era o PSDB dessas pessoas que eu falei.”

Conclui a entrevista fazendo um chamamento:

“Vamos votar no Haddad. Dá tempo de mudar. A mensagem que eu quero passar é que dá tempo. Vamos votar no Haddad para derrotar o Bolsonaro, que vai fazer muito mal para o Brasil. Já está fazendo, a campanha dele está provocando violência. Vamos votar no Haddad porque, além de derrotar o Bolsonaro, ele é um bem para o PT, ele é o lado bom do PT. Ele é um professor e ele vai ser um educador, vai se um presidente da educação. Vamos virar! Dá tempo!”

A seguir, a íntegra do manifesto que Beatriz Bracher ajudou a organizar.

POR UMA FRENTE PROGRESSISTA DO TAMANHO DO BRASIL

Este é um manifesto suprapartidário redigido por cidadãos brasileiros que têm o firme intuito de cobrar dos políticos progressistas sua união na defesa da democracia brasileira.

Tal compromisso está expresso na Constituição de 1988, que, no artigo 3º, resumiu seus objetivos: “Construir uma sociedade livre, justa e solidária”. A Constituição Cidadã marca o final da ditadura e o estabelecimento das bases para a afirmação da democracia no país. Em 30 anos, em que pesem eventuais imperfeições, conseguiu embasar a criação de instituições robustas o suficiente para suportar crises políticas e estabelecer garantias para o reconhecimento e o exercício dos direitos e das liberdades dos brasileiros.

Seu texto é moderno nos direitos, sensível às minorias políticas, avançado nas questões ambientais, empenhado em prever meios e instrumentos para a participação popular e a contenção do poder do Estado sobre o cidadão.

No entanto, passados 30 anos, com a corrupção na máquina do Estado e a instabilidade das instituições, o sistema político representativo tornou-se suspeito aos olhos de grande parte da sociedade.

As manifestações que explodiram em 2013, os fatos revelados pela Operação Lava Jato e a grave crise econômica levaram a um quadro perigoso de instabilidade e de radicalizações por todos os lados.

Não restam dúvidas de que os candidatos que disputam a vaga para a presidência representam dois polos da política brasileira. Não é razoável, contudo, supor que ambos têm o mesmo compromisso com a democracia, ou que cada um deles tenha cumprido o mesmo papel durante esses anos.

São inúmeras as manifestações de Jair Bolsonaro nos seus 28 anos como Deputado Federal que evidenciam seu pouco apego à democracia e aos direitos humanos.

O PT cometeu vários erros. O partido também já demonstrou que acata o jogo institucional. Governou o país por 13 anos, teve uma presidente afastada e compete na atual eleição sem agredir as regras.

Não existem, portanto, “extremismos idênticos”. Não cabe a neutralidade ou abstenção diante de uma situação que pede de nós ação imediata.

Cobramos do candidato Fernando Haddad compromissos renovados com a independência dos Poderes, a liberdade de imprensa e com o Estado de Direito.

Cobramos de todas as lideranças políticas democráticas e da sociedade civil que se empenhem num entendimento mais amplo para enfrentar o risco que a eleição de Bolsonaro significa para  o Brasil.

A omissão dos democratas neste momento poderá levar o Brasil a uma escalada autoritária, como se tem observado em outros países.

É chegada a hora de formar uma frente democrática que renove as esperanças de um Brasil mais generoso, justo, plural e inclusivo. É chegada a hora de passarmos por cima de nossas diferenças internas. Unindo-se por um objetivo maior, os políticos progressistas e os brasileiros demonstrarão que a prática política pode e deve ser uma atividade exercida com grandeza, a serviço do país e de sua população.