A transmissão, pelo Palácio do Planalto, de vídeo fazendo apologia do golpe militar de 1964 é “algo muito grave”, afirma Eugênia Gonzaga, procuradora federal dos Direitos do Cidadão adjunta.

“Comemorar o golpe de 64 é uma apologia ao crime”, afirma ela em entrevista ao TUTAMÉIA (acompanhe na íntegra no vídeo acima).

E continua: “O golpe em si tem um problema de legalidade, de descumprimento da lei da época. Na sequência dessa quebra da legalidade, aconteceram vários crimes, de vários tipos, sendo os mais terríveis a tortura, o estupro, a ocultação de cadáveres, o desaparecimento… A ideia de celebrar um ato que inaugurou um regime desse tipo é como se você apoiasse os crimes que vieram na sequência.”

A homenagem, que na semana passada era defendida pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, acabou sendo feita em diversas instituições do governo de forma disfarçada.

No domingo, porém, um vídeo de defesa do golpe foi distribuído por um número oficial de WhatsApp do Planalto, usado pela Secretaria de Comunicação da Presidência para o envio de mensagens de utilidade pública, notícias e serviços do governo federal”.

O elogio à ditadura configura, no entender de Eugênia Gonzaga, um ataque à própria Constituição brasileira: “A Constituição brasileira tem princípios, ela determina a todas as suas autoridades que obedeçam a esses princípios. Um desses princípios é a democracia, é o regime democrático. O país é uma república, um estado de direito democrático. Então, como é que, jurando sobre a Constituição desse país, você determina a celebração de algo que afeta totalmente o que tem de mais importante na nossa constituição?”

Na entrevista ao TUTAMÉIA, realizada no dia primeiro de abril, quando se completavam 55 anos do Golpe de 1964, Gonzaga disse não saber ainda quais poderiam ser os desdobramentos jurídicos da ação do governo Bolsonaro.

Governo que parece querer abafar o caso: na manhã desta terça-feira, 2.4, o porta-voz da Presidência da República disse que “esse é um assunto que nós já caracterizamos como encerrado”. Na sequência, reafirmou: “Esse é um assunto que nós não queremos comentar”.

É evidente que o fato de o Planalto não querer responder pelos seus atos não significa que o governo não pode ser chamado à responsabilidade. Acontece, porém, “a gente está diante de um Judiciário que está muito difícil, realmente, em relação a todos esses casos”, no entender de Gonzaga. “É como se as coisas não ficassem exatamente claras, como se isso fosse ainda um problema menor”, diz ela ao TUTAMÉIA.

Os cidadãos brasileiros –ou, pelo menos, grande parte deles—não consideram os ataques à democracia um problema menor. É que ficou demonstrado pelas dezenas de manifestações que, no último fim de semana (30 e 31.3), pipocaram pelo país fazendo homenagens aos presos, torturados e mortos pela ditadura militar.

Além das cerimônias memoriais, os manifestantes deixavam claro sobre os rumos que defendem para o país. Suas palavras de ordem eram “Lula livre!” e Ditadura nunca mais”.

Em São Paulo, na tarde de domingo, cerca de dez mil pessoas participaram da Caminhada do Silêncio, que teve Eugênia Gonzaga como uma das organizadoras –a manifestação foi concebida pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, a partir de ideia surgida no núcleo baiano do grupo Tortura Nunca Mais. Teve o apoio de diversos movimentos e instituições de defesa dos direitos humanos, como o Instituto Vladimir Herzog, o Núcleo de Preservação da Memória Política e o Memorial da Resistência.

Antes da caminhada da praça da Paz até o Monumento em Homenagem aos Mortos e Desaparecidos do Regime Militar, foi realizado um ato de acolhimento em que aconteceram apresentações musicais e depoimentos de parentes de vítimas da violência do Estado, como TUTAMÉIA registrou no vídeo abaixo.