“O Brasil nunca passou por algo assim. Essa vai ser a situação de guerra mais complexa, mais multidimensional e mais desafiadora que o país já enfrentou. E não temos um governo capaz de entender a dimensão do que estamos enfrentando. Não vejo o país agindo de uma maneira proporcional ao desafio que vai chegar nos próximos dias”.
A avaliação é de Miguel Nicolelis, o premiado neurocientista brasileiro, em entrevista ao TUTAMÉIA (acompanhe no vídeo acima e inscreva-se no TUTAMÉIA TV). Doutor em medicina pela USP e professor da universidade de Duke (EUA), ele propõe a criação “de uma comissão nacional das mentes mais capacitadas nas áreas especificas necessárias para combater uma pandemia multidimensional como essa, que não é só de saúde pública, mas tem dimensões econômicas, sociais, geopolíticas, de logística”, declara.
Ele simula cálculos a partir de projeções conservadoras em discussão para os EUA, considerando 50% de infectados na população, com 1% de mortalidade desse conjunto. Para os 200 milhões de brasileiros, teríamos a hipótese de 100 milhões de infectados e um milhão de mortos.
“É preciso acordar para essa hecatombe e começar a pensar estrategicamente. Oferecer todos os meios necessários para a comunidade científica, para os sanitaristas, que são excelentes, e colocar em prática as boas práticas para reduzir o número de pessoas infectadas”, afirma
Membro das Academias Francesa, do Vaticano e Brasileira de Ciências, Nicolelis lembra que o Brasil, comparativamente aos EUA, está mais bem equipado por um serviço público de saúde, que tem uma rede capilar. “Se não houvesse o SUS, estávamos roubados; é um fator enormemente positivo”, ressalta
Nessa situação de guerra em que ninguém está imune, Nicolelis vê insanidade governamental. “Não há na liderança desse governo, qualquer preparo, competência e qualquer visão do que nós estamos enfrentando”, observa. Por isso, defende, a iniciativa de mudança deveria surgir dos outros poderes da República, como o Congresso e o STF.
Segundo ele, uma comissão de salvação nacional organizaria ações em múltiplas áreas simultaneamente. Desde questões como número de leitos, respiradores, vestes para os profissionais de saúde, até decisões sobre pesquisa, empregos, readequação de produção de insumos, equipamentos, desenvolvimento de terapias, vacinas, suporte para pequenos empresários, desempregados. E há dinheiro para dar esse cavalo de pau no país:
“As reservas cambiais não seriam mais usadas para segurar o dólar, mas para investir para oferecer a toda a população o que é preciso para combater a epidemia. As reservas são o nosso único amortecedor”, diz e completa:
“Essas decisões não podem ser tomadas por pessoas que não acreditam no Estado, que criaram a mitologia de que a intervenção do Estado é maléfica. Essa epidemia está demonstrando categoricamente a falácia do modelo financeiro econômico que foi imposto ao mundo nos últimos 20, 30 anos. E a falência completa da noção de que é preciso reduzir o Estado a nada”.
Nesse quadro, afirma: “O Congresso Nacional se transformou nesse momento única chance de ter alguma racionalidade para se criar uma ação estratégica e começar a dirigir o país e a sociedade brasileira, de forma organizada e unida, rumo à trincheira dessa guerra. O Congresso e Supremo têm que se unir. Não se trata de uma disputa política mais. É uma questão de sobrevivência nacional”. E adverte:
“Não podemos sacrificar a vida de milhões de pessoas por conta de um engano numa eleição. É preciso reverter o caminho. Não temos um segundo a perder; já se perdeu muito tempo. Existem meios de contenção. O Brasil tem um dos melhores sistemas de infectologia do mundo. Manguinhos é referência mundial”.
O cientista faz um apelo:
“Não é momento de entrar em pânico, não é momento de perder a esperança, de se desesperar, de saquear os supermercados, de isolar idosos e doentes crônicos das ações e dos nossos pensamentos. O caminho é parar, refletir, raciocinar e pensar enquanto uma sociedade de um país moderno, que tem recursos humanos, financeiros e a capacidade de ganhar essa guerra. O foco aqui é ganhar a guerra enquanto nação, enquanto um país, uma sociedade. É preciso que cada um de nós, nos seus menores atos, recupere o senso de empatia humana, o senso de solidariedade e o censo de civismo. Porque se a sociedade brasileira não se unir como a coreana se uniu, como a chinesa se uniu, como a italiana está se unindo, não tem como brigar. Se ela se unir com a criatividade, com a competência e com o grau de desenvolvimento tecnológico e científico que o Brasil tem, a gente ganha essa guerra”.
O que vai acontecer depois da pandemia?
“O mundo precisa de um novo movimento que estamos chamando de “We Humans” (Nós Humanos). Na cosmologia do mundo, cujo epicentro se transformou no deus dinheiro e na igreja dos mercados, a vida do ser humano passou a ter valor nenhum. É preciso reformatar, realinhar a nossa cosmologia centrada no ser humano, no humanismo. Nós vamos precisar de um novo movimento iluminista, de um novo humanismo do século 21. O que estamos vendo é um pequeno exemplo de um evento _ainda não é, mas que poderia ser um evento de extinção da espécie”, alerta. E declara:
“Fomos avançando na concepção de que o mundo financeiro é determinante. As pessoas estão começando a se dar conta de que tudo que foi construído é um castelo de cartas”.
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