por AQUILES RIQUE REIS, vocalista do MPB4
Cantora, compositora e violonista, Consuelo de Paula lançou Maryákoré (independente). Este seu sétimo trabalho é um libelo contra uma estupidez: repartir as áreas indígenas, entregando-as a quem pode desmatá-las, posto que estes, armados e com total apoio oficial, alimentam ódio aos verdadeiros donos da terra.
Mas não desespereis, ouvi música, louvai à alma e à consciência, vibrai pela existência ameaçada. Confiai na fortaleza que vem da floresta, da terra, dos rios e dos bichos. Soem os borés e ajuntem-se as vozes para entoar músicas plenas de vida e para estimular os que penam diante de tanta infâmia e vilania. Oh, música divinal, soai em louvor aos que lutam contra a destruição do verde e contra o garimpo predatório, trazendo esperança de que um dia tudo reverdejará; oh, música de todos os cantos, fazei com que cesse a sanha perversa do homem exterminador, transformando suas motosserras e suas armas em desprezíveis ferros- velhos.
O CD lançado por Consuelo de Paula é um chamamento à vida. Cantando e tocando, ela traçou um mapa de profunda significação. Com ricas simbologias, suas canções têm um quê de ópera tropical, algo arrebatador e sutil. O ritmo é quase ingênuo, mas entusiasmante; os poucos instrumentos tocam melodias arejadas, com rica influência de gêneros ancestrais. Beleza suficiente para estimular a audição dos dez arranjos de Consuelo de Paula – todos instigantes e ricos.
E a voz de Consuelo? Ora, a sua voz parece nascida com força suficiente para seduzir o ouvinte com Maryákoré. A sensação que se tem é que tudo o que ali está é fruto de um sonho (ou seria um pesadelo), do qual desperta-se em meio a queimadas, florestas dizimadas, garimpos predatórios… tudo envolto em silêncio de morte.
Maryákoré tem dois movimentos. O primeiro é reflexivo, musicalmente estimulante. E assim é desde os termos e os instrumentos indígenas até o violão de Consuelo, o piano de Guilherme Ribeiro e a percussão de Carlinhos Ferreira. Todos fortalecidos por emocionante criatividade.
A abertura tem Consuelo batucando na madeira do corpo do violão, enquanto canta “Ventoyá” (dela e Déa Trancoso), uma convocação cuja letra clama à entidade por liberdade fecunda: “(…) Ei parrey levai de nós a ilusão/ Quebrai a miséria, então/ Acendei luz em nosso olhar, oyá (…)”.
O segundo movimento refloresce a intenção primeira de Consuelo: cantar o amor pelas gentes do povo, contestar os donos do poder e fazer música com significação libertária. E assim, o sarrafo sobe e, num salto de mestra, Consuelo avoa.
Levantai os punhos, povo do mar; levantai a voz, povo da mata; levantai os olhos, soltai a voz e verás a carantonha do brutamonte. Amai quem canta e traz na alma o sincretismo dos deuses, deles virão a sabedoria do conhecimento.
Maryákoré traz o canto fundamentado de Consuelo de Paula. Álbum que tem o seu cantar entalhado em sinceridade, a sua voz demonstra rebeldia, enquanto revela entusiasmo.
Canto que ninguém cala, luta!
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