“Nem o Hitler era tão cara de pau para falar contra os judeus como esse cara fala contra os índios e os quilombolas. Ele diz que os negros quilombolas precisam ser pesados por arroba. Ela falou isso na campanha para a presidência da República. Ele falou que não ia demarcar terras indígenas nem para os quilombolas. Ele sempre tratou os quilombolas com desrespeito. Agora, ele afronta a vida de todos os brasileiros, e eu fico admirado de como que os brancos continuam fazendo de conta que têm um país civilizado”.
Palavras do líder indígena Ailton Krenak em entrevista ao TUTAMÉIA (acompanhe no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV), na qual relatou os ataques contra os povos indígenas, criticou certa retórica ambientalista em torno da sustentabilidade, tratou de resistência e defendeu mudanças radicais na sociedade.
“Nossos territórios estão sendo invadidos por garimpeiros e madeireiros. Tem bandidos armados invadindo as terras indígenas e matando os índios. E o resto dos brasileiros fica assistindo isso como se nós continuássemos, ainda, em uma guerra colonial, de ocupação do Brasil. Está na hora de os brasileiros tomarem vergonha na cara e ficarem de pé, e se fazerem respeitar. Se vocês acham que os índios devem ser mortos logo, então tornem público isso. Se não, vocês se levantem juntos com índios e enfrentem essa corja que está tentando nos matar”, afirma. E segue:
“Estamos vivendo um período, em nossa história recente, em que o governo incentiva essa situação. É para invadir e matar os índios! Eu disse, quando começou esse governo genocida, que os índios estavam resistindo há 500 anos, e eu estava preocupado era com os brancos, como os brancos iriam sobreviver a um governo desses”.
Krenak descreve os ataques contra indígenas em várias partes do Brasil e fala em guerra híbrida. Diz, por exemplo, que a região da Raposa Serra do Sol “está invadida por garimpeiros que querem tirar diamante daquela reserva. Eles estão cooptando pessoas indígenas de dentro do próprio território para que apelem ao Bolsonaro dizendo que estão querendo ficar ricos. Essa campanha de cooptação é também feita por esse governo desde seus primeiros dias de governo, indo para as reservas indígenas tentar cooptar lideranças para dizer que querem o agronegócio lá dentro, dizendo que os índios vão fazer parte da devastação do cerrado com esse negócio do agro é pop. Eles estão destruindo o cerrado e invadindo terras indígenas em Rondônia e no Mato Grosso com o propósito de expandir a soja, invadindo terras na Amazônia com o objetivo de consolidar o garimpo e abrir espaço para a mineração”.
Para o líder indígena, “há uma disputa entre a mineração industrial e os garimpeiros; há 20 mil garimpeiros dentro de território ianomâmi. Estão metendo bombas e arrebentando a paisagem da floresta, transformando tudo em lagoa podre, cheia de mercúrio. Tem maquinário dentro dessas reservas indígenas. No Pará, tem maquinário que só se vê em obras de construção de metrô, em São Paulo. São retroescavadeiras, máquinas caríssimas, algumas podem custar até dez milhões. Garimpeiro não tem dinheiro para comprar máquina de dez milhões. Quem tem dinheiro para comprar máquina de dez milhões são senadores da República, governadores, ex-governadores, ministros, ex-ministros. Abram o olho, gente! Não é garimpeiro, com uma picareta na mão, que está invadindo a Amazônia. Quem está invadindo a Amazônia são os capitalistas que têm dinheiro para botar máquina de dez milhões lá dentro”.


Ailton Krenak nasceu em 1953, no Vale do Rio Doce, e é uma das principais lideranças indígenas do Brasil. Aos 17 anos migrou com a família para o Paraná, e, desde os anos 1980, trabalha na organização dos povos originários. Atuou com destaque na Constituinte de 1988. “Eu participei ativamente daquele debate no Congresso, quando nós elaboráramos os direitos dos índios, que estão inscritos nessa Constituição e estão sendo aviltados por esse governo, que diz que ele é a Constituição. Eu ajudei a escrever o capítulo 231 da Constituição Brasileira. O preâmbulo dele eu sei de cor. É quando nós dizíamos que a União tem a obrigação de reconhecer as terras habitadas pelos povos indígenas de assegurar que o usufruto, a existência naqueles territórios fosse exclusiva dos povos indígenas. Da Constituição de 1988 para cá, nós conseguimos ampliar esse reconhecimento dos direitos indígenas, estendendo isso também às políticas públicas com relação à saúde, à educação. Avançamos, durante trinta anos, em muitos aspectos dos direitos indígenas. Mesmo com governos leniente e irresponsáveis, a gente conseguiu avançar bastante. Mas infelizmente, aqueles governos lenientes criaram a situação para a gente ter um fascista no governo ameaçando a gente de genocídio e cagando na Constituição”, declara.
Para o líder indígena esse propósito do governo “é expresso em gestos, palavras e decisões administrativas. Ele desmantelou a Funai, acabou com o sistema de saúde indígena, acabou com o Instituto Chico Mendes, que fazia a fiscalização das unidades de conservação em terras indígenas e não perde oportunidade de falar em todos os meios de comunicação que não vai demarcar nem um centímetro de terra para os índios, que os índios são vagabundos que vivem nesses territórios atrapalhando o progresso e o desenvolvimento do Brasil”.
Autor de “Ideias para Adiar o Fim do Mundo” (Companhia das Letras, 2019), Krenak avalia se algo pode mudar a partir dessa pandemia:
“Quem sabe um trauma coletivo, com milhares de pessoas morrendo, seja realmente significativo para que as pessoas saiam do egoísmo e pensem socialmente, com implicações para além de sua própria vontade pessoal. Os povos originários estão há muito tempo apontando o caminho da sociedade que eles gostariam que continuasse existindo. Sociedades onde não tenha propriedade, em que temos de proteger o rio, a floresta e a montanha, e não uma sociedade em que tem de correr para ver quem fica dono da montanha, quem é dono da mineradora, quem é o dono dos bancos. Vivemos hoje em uma civilização onde num extremo estão os banqueiros, que controlam o sistema financeiro global, e no outro estão os miseráveis, morrendo em fila da Caixa Econômica para pegar seiscentos paus. É claro que eu não quero esse tipo de civilização. Ou esse tipo de humanidade”.

Fala de ambientalismos, Greta e das mudanças necessárias na sua visão: “A crítica a essa coisa do capitalismo não pode ficar na superfície. Ela tem de ter consequências. Não adianta você querer modernizar o capitalismo, humanizar o capitalismo. O capitalismo é uma doença. E fim de papo. Você quer ficar dentro dela, então se vire com a doença.”