“É uma luta duríssima. Não adianta dourar a pílula, o conflito é estrutural. Ele está se manifestando em todos os lugares. O governo de Joe Biden vai ter que administrar muito conflito. Biden vai ter um trabalhão. Vai ser um dos períodos mais conturbados da história dos Estados Unidos”.
A análise é de Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC de São Paulo, em entrevista ao TUTAMÉIA na qual avaliou os impactos da invasão do Capitólio pela turba trumpista no dia 6 de janeiro de 2021, quando era sacramentada a vitória de Joe Biden. De um lado, Nasser prevê um aumento na intensidade (não em amplitude) nas ações de grupos de extrema direita no cenário norte-americano. De outro, aponta o renascimento da esquerda no jogo político, atuando de forma mobilizada e organizada (acompanhe a íntegra no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
Para o professor, o que houve no Congresso dos EUA, um ataque estimulado por Donald Trump, não foi golpe nem ação terrorista. Isso porque não houve organização nem liderança. Os diversos grupos que atuaram no atentado não tinham um porta voz, não sabiam o que fazer além de sentar nas cadeiras dos parlamentares e vandalizar o prédio. “Vai para rua, faz depredação, ataca a imprensa, derruba o portão, mas não sabe o que faz. Não tem tática nem estratégia. Só consegue adiar a decisão [de oficializar a vitória de Biden]”, diz Nasser.
Ele lembra que Trump acumulou uma série de derrotas (no voto popular, no colégio eleitoral, no judiciário). “Ele não quer sair assim para o seu púbico. Ele quer ganhar as ruas, essa massa que vai para rua e faz o que ele diz. Mas, ‘rei morto, rei posto’. É o canto do cisne. O perigo é vir outro pior. E isso é bem provável”, afirma Nasser.
Na conversa, o professor fala das divisões na elite norte-americana, dos reflexos da derrota de Trump para Bolsonaro e declara:
“Tanto Trump como Bolsonaro fazem uma política muito intensa, que gera uma adesão muito forte, mas, ao mesmo tempo, o voo é curto: começa a ter debandada dos aliados, é muito custosa de levar adiante. Se o Trump levasse esse projeto por mais de quatro anos poderíamos rasgar os livros de história da política, que é aliança, articulação. Não consegue levar um governo assim. O que se consegue é levar gente para a rua. Mas fazer o quê? Tudo isso que Trump fez foi para esconder as derrotas. Esconder que o país ultrapassou 300 mil mortos pela Covid e está num caos”.
Nasser ressalta a reação negativa de lideranças empresariais à invasão do Congresso. Lideranças do mundo de negócios pedem a saída imediata de Trump, pois a instabilidade é prejudicial para muitos setores econômicos. “É algo suicida para a nação”, resume o professor. Segundo ele, vai haver uma debandada entre os empresários apoiadores de Trump, que, apesar de ganharem muito na gestão do republicano, vão buscar agora outros personagens no conservadorismo.
O professor da PUC-SP analisa aos resultados eleitorais, enfatiza as contradições internas na sociedade norte-americana e aponta a existência de um renascimento da esquerda. “O império se corrói por dentro, e Bernie Sanders representou o renascimento da esquerda, com a qual precisamos estar conectados”, diz.
Comentando a trajetória histórica dos EUA, Nasser afirma:
“O expansionismo está na veia, no DNA. É matar e deslocar índios. Depois, os mexicanos. Depois, os negros. Depois, o mundo. Toleraram e incentivaram explicitamente a Ku Klux Klan, que torturava e matava negros, até década de 1960. Cerca de 60% dos atentados dentro dos EUA são feitos pela extrema direita. Isso vai aumentar. Vai ser contra clínicas de aborto, contra instituições em defesa do ambiente. Os conflitos nos Estados vão aumentar”.
De outra parte, Nasser reforça o papel das lutas populares naquele país, da cultura, do movimento negro, indígena. “Os centros urbanos caminharam para a esquerda. A esquerda está mobilizada. Eles não são irresponsáveis de sair agora para ir para o enfrentamento. Mas vão voltar para as ruas. Eles foram responsáveis pela eleição do Biden. A esquerda está mobilizada e organizada. Os Estados Unidos são muito fragmentados: socialmente, economicamente, territorialmente. Quando tem divisão no país, ele se enfraquece internacionalmente. Esse é o medo das corporações, dos jornais”.
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