Neste fim de semana, acontecem em São Paulo duas grandes manifestações para relembrar a luta dos brasileiros contra o Golpe Militar de 1964 e homenagear os defensores da democracia que foram presos, torturados e assassinados pela ditadura militar.

O primeiro será realizado no sábado, dia 30, a partir das dez horas da manhã, no local onde funcionou o DOI-CODI, central de torturas naquele período. É o Ato Unificado Ditadura Nunca Mais.

No dia seguinte, no domingo a tarde, com concentração às 16h na praça da Paz, no parque Ibirapuera, acontece a 1ª Caminhada do Silêncio, celebração memorial aos presos, mortos e desaparecidos.

Para falar sobre esses eventos, TUTAMÉIA convidou Maurice Politi, que é fundador e diretor do Núcleo de Preservação da Memória Política, entidade que participa da organização das duas manifestações (veja, no vídeo acima, a íntegra da entrevista).

Ex-preso político, escritor, Maurice contou que esta é a sexta edição do ato do DOI-CODI, que fica na rua Tutóia, na zona sul de São Paulo. Apesar de tombado pelo Estado de São Paulo, o prédio ainda hoje é utilizado para atividades cotidianas da administração pública: ali funciona uma delegacia de polícia.

A reivindicação dos ativistas é que aquelas instalações se transformem em um museu, centro de memória, tal como aconteceu com o prédio do Dops, na região central de São Paulo, que foi transformado no Memorial da Resistência.

Resistência, aliás, parece ser a palavra-chave nos dias de hoje, em que o próprio presidente da República, eleito em um processo eleitoral manipulado, para dizer o mínimo, traz um discurso de ódio, de revanchismo, determinando ao Ministério da Defesa que faça a celebração do golpe de 1964, que no próximo dia 1° de abril completa 55 anos.

Ao fazer isso, aliás, Bolsonaro cometeu um crime, de acordo com a avaliação da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal.

Em texto lançado na última terça-feira (o mesmo dia em que entrevistamos Politi), a instituição destaca que o ato se reveste de enorme gravidade constitucional, pois representa a defesa do desrespeito ao Estado Democrático de Direito, já que celebra um golpe de Estado e um regime ditatorial que resultou em violações sistemáticas aos direitos humanos, além de crimes internacionais.

Diz o documento: “O golpe de Estado de 1964, sem nenhuma possibilidade de dúvida ou de revisionismo histórico, foi um rompimento violento e antidemocrático da ordem constitucional. Se repetida nos tempos atuais, a conduta das forças militares e civis que promoveram o golpe seria caracterizada como o crime inafiançável e imprescritível de atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.

Em sua manifestação, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão destaca que os órgãos de repressão da ditadura assassinaram ou desapareceram com 434 suspeitos de dissidência política e com mais de 8.000 indígenas. Estima-se que entre 30 mil e 50 mil pessoas foram presas ilicitamente e torturadas. 

“Esses crimes bárbaros – execução sumária, desaparecimento forçado de pessoas, extermínio de povos indígenas, torturas e violações sexuais – foram perpetrados de modo sistemático e como meio de perseguição social. Não foram excessos ou abusos cometidos por alguns insubordinados, mas sim uma política de governo, decidida nos mais altos escalões militares, inclusive com a participação dos presidentes da República”.

O órgão do Ministério Público Federal destaca que o apoio de um presidente da República ou altas autoridades a um golpe de Estado, na atualidade, seria um crime de responsabilidade. Por isso, tampouco se admite que possam esses agentes celebrar um golpe anterior: “Festejar a ditadura é, portanto, festejar um regime inconstitucional e responsável por graves crimes de violação aos direitos humanos. Essa iniciativa soa como apologia à prática de atrocidades massivas e, portanto, merece repúdio social e político, sem prejuízo das repercussões jurídicas. Aliás, utilizar a estrutura pública para defender e celebrar crimes constitucionais e internacionais atenta contra os mais básicos princípios da administração pública, o que pode caracterizar ato de improbidade administrativa.

Assinam a nota Deborah Duprat, Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Domingos Sávio Dresch da Silveira, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Substituto, Marlon Weichert, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão Adjunto, e Eugênia Augusta Gonzaga Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão Adjunta.

Eugênia Gonzaga, por sinal, participa da organização do outro ato apresentado por Maurice Politi na entrevista ao Tutaméia.

Trata-se da 1° Caminhada do Silêncio, um tipo de manifestação que já existe em outros países que viveram ditaduras militares, onde hoje o povo lembra as vítimas dos regimes.

A partir das 16h de domingo, teremos na Praça da Paz apresentações literomusicais. Depois, às 18h30, inicia a caminhada silenciosa desde a Praça da Paz até o Monumento pelos Mortos e Desaparecidos Políticos, localizado ao lado do parque.

A Comissão especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e outros organizadores do evento sugerem que os participantes levem velas, flores, fotos e lembranças de seus familiares e amigos, vítimas da violência estatal, para serem depositadas no Monumento.
Quem puder poderá permanecer no local de término da caminhada, em vigília, até a 0h do dia 1° de abril, data do golpe militar em 1964.

São formas de mostrar, segundo Politi, que estamos dispostos a defender a democracia. “Estamos preocupados com o retrocesso na área de direitos humanos, com o retrocesso na visão do golpe de 1964. Mas não podemos deixar que o golpe seja rememorado de forma a louvá-lo”, afirma.

Ex-preso político que participou de uma das mais longas greves de fome durante a ditadura, Politi diz que sempre é possível resistir. O que pode ser feito hoje, quando há uma avalanche destruidora de direitos, do próprio brasil como Nação, perguntamos a ele.

A resposta: “Comece por se revoltar”.

É mensagem que costuma levar em suas palestras nas escolas, em conversas com jovens que procuram saber como foi aquele período e a quem conta sobre a militância política e a resistência durante a ditadura militar: “Nós éramos jovens, alguns mais jovens que os outros. Tínhamos uma visão de mundo, alguns foram para a luta armada contra o regime, outros foram para a luta pacífica, mas sempre atuando contra um regime que era ilegal e era ilegítimo.”

“Não é porque optamos por aquilo naquela época que hoje precisamos fazer a mesma coisa. Nas palestras que faço para jovens, em escolas, a gente termina dizendo que essa foi forma que, há cinquenta anos, nós resistimos contra um regime que aq gente achava que era. Não tinha liberdade, havia censura, tortura… E hoje, você, a que resistem?”, eu pergunto.

“A gente joga isso para eles. E a primeira reação é: “Eu? Por que eu tenho de resistir?” E a gente provoca: “Tá tudo bem? Tua escola está boa? A universidade? BBB é aquilo que você quer ver na televisão, é isso que te instrui? Na sua comunidade tem hospital, está tudo bem?”

“Comece pela sua comunidade. Veja na sua comunidade o que você pode melhorar. E com isso você estará resistindo contra um Estado que quer te impor coisas com que você não concorda. Comece por se revoltar. E aí vai ganhar a consciência de ser um cidadão pleno no exercício de seus direitos.”

E concluí: “É isso que temos de fazer: tornarmo-nos conscientes de que temos de ser cidadãos. E não passíveis de sermos manipulados pelo whatsapp, pelas redes sociais. Não! Temos de ter nossa opinião e, de certa forma, contribuir para outros também possam atuar junto conosco para mudança de alguma coisa: um posto de saúde, uma escola melhor, um país melhor”.

Que assim seja.