“Minha preocupação é com os abalos nos alicerces da democracia e do equilíbrio social. Nenhuma sociedade sobrevive a isso”. É o que declara o economista Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo em entrevista ao TUTAMÉIA.

Para ele, a desmontagem do quadro institucional começou com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. “Isso foi o primeiro erro; seguiram-se outros. Do impeachment se foi passando para a judicialização da política, pelo enfraquecimento moral do parlamento. Com o golpe, isso foi uma coisa devastadora. Isso é muito ruim. Não gosto quando o parlamento se enfraquece. O Judiciário foi atingido por onda de desconfiança em relação a seus privilégios. O executivo tenta sobreviver à custa de golpes publicitários como esse aí [sobre a intervenção no Rio de Janeiro], envolvendo inclusive as Forças Armadas, o que é gravíssimo”.

Para Belluzzo, é essencial que o país tenha “respeito pelas Forças Armadas. Elas têm uma função constitucional, que não é essa de revistar bolsa de favelado. É uma tragédia essa história das Forças Armadas ingressarem na repressão”.

Ele recordou como, no passado, o Exército teve uma importância muito grande no projeto de industrialização do país. E reafirmou: “Fico chateado quando vejo essa instrumentalização das Forças Armadas”.

Professor da Unicamp e da Facamp, Belluzzo avalia que esse tipo de intervenção, como a que acontece no Rio, não tem possibilidade de resolver, de fato, os problemas da segurança pública. Lembrou do caso do México, onde a espiral de violência e o envolvimento de militares resultaram em fracasso. Lembrou de recente entrevista do ex-presidente mexicano Vicente Fox, para quem o maior risco de uma sociedade é ela se mover pelo medo.

“Estamos mobilizando o medo. As pessoas que se movem pelo medo acabam tomando as piores decisões, aceitando coisas que seriam inaceitáveis em condições normais”, diz Belluzzo, assinalando que o debate é muito pobre no país. De acordo com ele, “há também resistência grande aqui em reconhecer que a polícia é um órgão importante dos Estados democráticos”.

EMPRESÁRIOS E DEMOCRACIA

“Bolsonaro vai falar num seminário do BTG Pactual e é aplaudido de pé pelos investidores. Vocês acham que eles têm algum compromisso com a democracia?”, pergunta. Para esses investidores, o que importa é o que vai acontecer com a curva de juros, com o câmbio, emenda o professor.

E qual a razão de onda tão reacionária entre os empresários?, perguntamos.

“Não depende dos indivíduos; é como uma onda que vai tomando conta das mentalidades. Conheci muitos empresários muito diferentes dos que estão aí. Empresários como já não existem mais, empresários comprometidos com o seu negócio, o Antônio Ermírio, o Bardella, o Abílio, o Mindlin, o Severo Gomes. [Os de agora] não têm visão de país”, analisa Belluzzo.

Na entrevista, Belluzzo condena discursos direitistas como o do empresário Flávio Rocha (Riachuelo) –“um sujeito da idade da pedra”—e propostas privatizantes como as de Pérsio Arida (que comanda o programa de Geraldo Alckmin).

Belluzzo ataca os projetos de privatização da Eletrobrás e constata que a privatização já ocorrida no setor só aumentou custos, elevando preços. Recorda que a venda de estatais iniciada por Collor foi seguida pelos “bonitinhos amigos meus”, que valorizaram a moeda, abriram a economia e destruíram a indústria. “Agora querem continuar de uma maneira grotesca porque não tem nenhuma visão estratégica”.

UNIVERSIDADE ATACADA

Os retrocessos ocorrem em todas as áreas.  Belluzzo chega para a entrevista inconformado com a última do Ministério da Educação: acionar a Advocacia Geral da União, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Federal para apurar “improbidade administrativa” por parte dos responsáveis pela criação da disciplina “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”, na Universidade Brasília.

O professor lembra que mesmo na Idade Média, tida como um período obscurantista, foi garantido o exercício de pensamento em universidades, protegidas dos reis, dos senhores, da igreja. “Fico preocupado quando há uma interpretação de que você possa bloquear, seja qual for, um projeto intelectual. Você pode discordar; monte outro, faça um contraponto. A universidade não pode ser submetida a isso. Estamos perdendo prestigio e até honorabilidade com esses incidentes todos”.

NAZISMO

Estudioso de Marx e Keynes, Belluzzo discorre, na entrevista, sobre o período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial, com a ascensão do fascismo e do nazismo. Recomenda Luchino Visconti (“Os Deuses Malditos”) para que se entenda a imbricação entre o nazismo e a grande indústria alemã.

“O pessoal fala em estatização; não foi. O nazismo foi uma privatização do Estado”, define.

Na conversa com TUTAMÉIA, Belluzzo trata de economia mundial e brasileira.

“Estamos num momento de transição para uma mudança muito mais profunda do que conseguimos analisar. Ela envolve esse avanço de um anti-ilumismo. Tivemos, no Brasil, uma depressão por conta de uma política recomendada pelos mercados financeiros. No mundo inteiro estamos num regime de crescimento meia boca”, resultante do predomínio do capital financeiro, anota.

Para Belluzzo, a crescente concentração de riqueza no mundo é politicamente explosiva e será necessário tratar da questão da distribuição de renda. O problema é que democracia e interesses financeiros não convivem bem, como estamos vendo no Brasil: “De eleição eles nunca gostam”, resume.