Por AQUILES RIQUE REIS, vocalista do MPB4

Hoje conversaremos sobre Nosso Chão (independente), o terceiro álbum da cantora e compositora Bia Góes. Repletas de imagens poéticas, suas composições revelam o seu caráter e a originalidade de sua música. O que sentimos ao ouvi-la é que ali está um louvor à força do ofício de criar e cantar, e uma sagração à postura diante do chão do ser, lá onde pisa a humanidade.

São oito composições vitais, cujo conteúdo revela amor à vida. As veias, que pulsam na mãe terra, carecem de ritmos inusuais: ijexá, jinká, congo de ouro, xote, carimbó, samba chula e capoeira. Canções autorais, de domínio público e de outros compositores, como Peri, Douglas Germano e do vibrafonista Ricardo Valverde, músico que o reverencia e propala o som extraordinário de seu instrumento e que assumiu a direção musical do CD, ali expondo as suas referências musicais, religiosas, musicais e estéticas.

O fundo do álbum é o sincretismo religioso e musical afro-brasileiro, o que enobrece o conteúdo existencial do trabalho de Bia. Graças à solidez de seu papel de cantora, compositora e cidadã, Bia trouxe o mestre Griôt Sr. Carlos de Assumpção para participar da música “Domingo” (Bia Góes), o que ele faz declamando um trecho de sua poesia “Raízes”. “Domingo” é a mais bela interpretação e empolgante criação de Bia. Meu Deus do céu, o que é aquilo?

O coro do grupo de cultura popular Kyloatala, em “Guaracyewaba”, canta em bantu, usando palavras do kimbundo e do kikongo, dialetos do reino Ndongo de Angola; músicas que no Brasil são cantadas no candomblé da nação Angola. A intro é com o contrabaixo fretless. Arritmo, arranjo apresenta Bia ao fretless. O ritmo vem e os pelos arrepiam. Também cantando em bantu, chega a hora de Bia se ajuntar ao coro. Ajuntadas, as palmas marcam o tempo forte com o tambor. Juntos todos cantam: “Bandeira branca trago de um pai forte/ Trago no peito uma estrela brilhante/ O Deus vos salve essa casa santa/ Com sua espada e seus guerreiros”. Chão total. E os pelos seguem arrepiados.

O cantor e compositor Filó Machado participa cantando em “Moçambique” (Ricardo Valverde e Douglas Germano). O arranjo tem início com vocalises de Bia. O vibrafone e a batera mantêm a levada. O samba vem cadenciado. Logo quem faz vocalises é Filó Machado. O suingue emana no ritmo das palmas. Bia e Filó cantam em duo e com vocalises finalizam.

Seja nos versos, seja nos arranjos ou no ato de cantar, a religiosidade pulsa em Nosso Chão. É quando a diversidade rítmica se mostra ajustada à terra em que humildemente pisamos.

Da liturgia do tributo ao êxtase da fé, surge um palmo da terra do chão, o solo em que habita a voz afinada e intensa da criadora Bia Góes.

 

PS: Ficha técnica:

vibrafone: Ricardo Valverde

contrabaixo, violão e guitarra: Thiago do Espírito Santo

percussão: Cauê Silva

gravado nos estúdios Parede e Meia

mixagem de voz: Rico Romano; mixagem geral: Luiz Paulo Serafim

masterização: Brendan Duffey

capa e design gráfico: Guilherme Valverde