“A Comuna de Paris traz elementos e conquistas importantes para a história da educação mundial. Coloca a bandeira e a realização da educação pública, gratuita e laica, realiza a educação das crianças sem divisão por gênero, com meninas e meninos na mesma sala de aula –o que só muito tempo depois a escola burguesa vai realizar – e desenvolve um processo pedagógico que compreende que a criança precisa ser alimentada, que a criança precisa ser vestida –ou seja, que a criança precisa de condições para que seja realizado processo educativo.”
É o que nos conta o historiador Wanderson Melo, doutor em história social e professor na Universidade Federal Fluminense, em entrevista que integra a programação especial de TUTAMÉIA em homenagem aos 150 anos da Comuna de Paris.
Na conversa –veja a íntegra no vídeo acima e se inscreva no TUTAMÉIA TV–, ele aponta que, mesmo em meio às batalhas diárias nas ruas de Paris, os revolucionários de 1871 dedicaram tempo, esforços e debate político para criar um processo educativo coerente com seus sonhos: “Foi um trabalho importante, significativo, que nem sempre é comentado, nem sempre é discutido. Merece muito, traz muitos elementos para se debater e até mesmo se relacionar com a educação nos dias de hoje”.
Ele aponta: “A Comuna tinha um ensino pelo trabalho. Um ensino que entendia a educação como um processo integral, seguindo os passos do movimento operário, que entendia que a educação tem de ser física, tem de ser intelectual e tem de ensinar a fazer alguma coisa, ensinar um trabalho. No Congresso da Associação Internacional de Trabalhadores em Lausanne, em 1867, Charles Longuet, que viria a ser genro de Marx, coloca a consigna de educação integral. Essa expressão, educação integral, consta nas proclamações da Comuna, defendendo a educação pública, gratuita e laica, que trem de ter o físico, o intelectual e tem de também ensinar uma profissão.”
Havia uma atenção especial à integração das mulheres no processo educativo no mundo do trabalho: “Na Comuna de Paris, em seu final, a assembleia de um dos bairros entendeu que tinha de ter uma escola profissionalizante específica para as mulheres. A Semana Sangrenta –o morticínio no final dos dias da Comuna—impediu que ela fosse constituída. Mas a maioria da Comuna de Paris entendia que a educação deveria ser oferecida aos dois sexos, na mesma sala, com essa base, da educação integral, fazendo referência todo o debate que tinha na Internacional dos trabalhadores”.
Outro marco expressivo da educação na Comuna de Paris era o esforço para a superação da divisão entre o trabalho intelectual e o trabalho manual, diz o professor. “Esse é um ponto importantíssimo para a Comuna, que entende que o communard que está ali tem de ser um intelectual, ele tem de ser um trabalhador, ele tem de ter a disposição, o conhecimento, ele tem de debater também. Porque ele vai também ser um gestor da fábrica, da municipalidade, ser um sujeito ativo nas transformações e na condução da vida. Então a educação tem de ser condizente com isso, com esse papel.”
Melo destaca também: “Um ponto a ser frisado é o método pedagógico na Comuna. Eles entendiam que a educação não poderia ser feita como era antes, pelos padres. Os padres traziam a cultura da missa para a educação. Os communards, quando tomaram a cidade de Paris, realizaram –mesmo segundo historiadores nem de longe simpáticos aos revolucionários—o método pedagógico mais avançado da época; mais avançado do que a época. Louise Michel, a professora revolucionária, e Gustave Colbert, que foi um dos dirigentes do museu, para proteger as obras de arte e a gestão da cultura, desenvolveram um método pedagógico por meio de imagens. Ou seja, no meio daquele conflito contra Versalhes, tinha gente, professoras e professores, que organizavam as crianças para fazer visitas aos museus. E as aulas eram dadas nos museus!”
São questões atuais, lembra o professor: “Se a gente pensar na educação de hoje: quantas crianças brasileiras foram a um museu? Quantas tiveram acesso a uma educação que dialogue com a ciência, com a produção, com laboratórios, com o método científico. A gente percebe, então, que esse debate é muito atual, e que precisa que a experiência da Comuna seja conhecida, porque traz elementos importantes para os dias de hoje.
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