“Tendo de escolher entre o comunismo e o capitalismo, os marxistas ocidentais praticamente se unem com os capitalistas, contra os antigos comunistas, com poucas exceções. Em vez de críticos ao capitalismo, eles são essencialmente anticomunistas, capitalistas-acomodacionistas”. É o que diz o professor norte-americano Gabriel Rockhill em palestra em que comenta o livro “O Marxismo Ocidental – Como Nasceu, Como Morreu e Como Pode Renascer”, do pensador italiano Domenico Losurdo.
Editor da tradução da obra lançada em setembro passado nos Estados Unidos, Rockhill é professor de filosofia na Villanova University, diretor e fundador da Critical Theory Workshop (Oficina de Teoria Crítica), além de pesquisador associado do Laboratoire d’anthropologie politique – LAP (EHESS, Paris) e um dos editores-chefe da “World Marxist Review”. É autor de vários livros, como “Radical History & the Politics of Art” (Columbia University Press).
Com essa palestra, TUTAMÉIA inicia a série Colóquios Marxistas, uma retransmissão devidamente autorizada da série Fórum Marxista Dominical, realizado pelo ICSS – Instituto para o Estudo Crítico da Sociedade. A entidade, baseada em Oakland, Califórnia, foi criada há mais de 15 anos para promover debates e apoiar lutas emergentes pela igualdade racial e de gênero e pelo socialismo. O que une o grupo é o respeito pelo trabalho de Karl Marx e a certeza de que o seu trabalho continuará a ser tão importante para as lutas de classes do futuro como o foi para o passado.
Na sua apresentação, Rockhill afirma: “A classe governante capitalista e a superestrutura imperialista contribuíram para o desenvolvimento dessa versão modificada do marxismo, que na prática é um marxismo anticomunista, um marxismo imperial, chamado marxismo ocidental ou, às vezes, cultural. Essa forma do marxismo ocidental se distancia das lutas progressistas, práticas e políticas, se transformando em pouco mais do que um produto de consumo para a indústria acadêmica imperial, quer dizer, uma commodity ideologicamente modificada para a classe governante imperialista e seus aliados em sua periferia.”
Também diz, comentando o pensamento de Losurdo: “Para começar, como prática teórica, o marxismo ocidental é baseado na primazia de teoria, ao contrário da primazia de prática. O marxismo ocidental geralmente rejeita políticas progressistas organizadas e também repudia estados socialistas, em favor de se engajar em debates teóricos e na análise de produtos culturais burgueses. O ponto para o marxista ocidental não é mudar o mundo, é interpretá-lo, ou, às vezes, até apenas interpretar textos ou outros produtos culturais, em vez de lidar com o mundo real. Sua prática teórica é orientada principalmente para o valor de troca, como eu mencionei, no sentido de que eles estão engajados na economia simbólica do mundo acadêmico, no que chamamos de mercado de ideias”.
E continua: “Metodologicamente, marxistas ocidentais são revisionistas, que tentam transformar algumas das tendências fundamentais do materialismo dialético e histórico. Isso significa que, geralmente, eles rejeitam a dialética e se concentram em críticas culturais, em detrimento da economia política. Isso limita severamente o escopo e a profundidade de suas análises: há uma tendência ampla de assumir que a cultura e o mundo de ideias constituem a força dirigente da história, e não a luta de classe. Esse idealismo geralmente anda de mãos dadas com o socialismo utópico, e não com o socialismo científico. Em outras palavras, se os marxistas ocidentais realmente apoiam o socialismo de alguma forma, o que eles apoiam o socialismo na teoria, não na prática, e geralmente é a teoria deles de socialismo ou a nova ideia deles de comunismo. A ideia burguesa de que apenas arte ou cultura pode nos salvar, não a luta de classe revolucionária, é uma das características principais de desse discurso”.
Leia a seguir transcrição completa da palestra de Losurdo (clique no vídeo acima para acompanhar a fala original e aproveite para se inscrever no TUTAMÉIA TV).
FRENTE AOS PROBLEMAS REAIS DO CAPITALISMO E ÀS CRÍTICAS QUE FAZEM AO SOCIALISMO,
MARXISTAS OCIDENTAIS FREQUENTEMENTE BUSCAM O QUE CHAMAM DE TERCEIRA VIA.
É UM TIPO DE PENSAMENTO CLÁSSICO, PEQUENO BURGUÊS, QUE CONSIDERA QUE HÁ
UM CAMINHO MÁGICO ALÉM DO CAPITALISMO E DO SOCIALISMO EXISTENTE
A classe governante capitalista e a superestrutura imperialista contribuíram para o desenvolvimento dessa versão modificada do marxismo, que na prática é um marxismo anticomunista, um marxismo imperial, chamado marxismo ocidental ou, às vezes, cultural. Essa forma do marxismo ocidental se distancia das lutas progressistas, práticas e políticas, se transformando em pouco mais do que um produto de consumo para a indústria acadêmica imperial, quer dizer, uma commodity ideologicamente modificada para a classe governante imperialista e seus aliados em sua periferia.
Considero isso a primeira e mais importante característica do marxismo ocidental, que tem como representantes a escola de Frankfurt, mas também o obreirismo italiano, os marxistas franceses e marxismo anglófono.
Pode-se identificar em todos esses, apesar de algumas exceções, características gerais que corporificam uma orientação ideológica comum. Para começar, como prática teórica, o marxismo ocidental é baseado na primazia de teoria, ao contrário da primazia de prática.
Perry Anderson é totalmente claro sobre isso, ele diz isso explicitamente. O marxismo ocidental geralmente rejeita políticas progressistas organizadas e também repudia estados socialistas, em favor de se engajar em debates teóricos e na análise de produtos culturais burgueses. O ponto para o marxista ocidental não é mudar o mundo, é interpretá-lo, ou, às vezes, até apenas interpretar textos ou outros produtos culturais, em vez de lidar com o mundo real.
Sua prática teórica é orientada principalmente para o valor de troca, como eu mencionei, no sentido de que eles estão engajados na economia simbólica do mundo acadêmico, no que chamamos de mercado de ideias.
Metodologicamente, marxistas ocidentais são revisionistas, que tentam transformar algumas das tendências fundamentais do materialismo dialético e histórico. Isso significa que, geralmente, eles rejeitam a dialética e se concentram em críticas culturais, em detrimento da economia política. Isso limita severamente o escopo e a profundidade de suas análises: há uma tendência ampla de assumir que a cultura e o mundo de ideias constituem a força dirigente da história, e não a luta de classe. Esse idealismo geralmente anda de mãos dadas com o socialismo utópico, e não com o socialismo científico. Em outras palavras, se os marxistas ocidentais realmente apoiam o socialismo de alguma forma, o que eles apoiam o socialismo na teoria, não na prática, e geralmente é a teoria deles de socialismo ou a nova ideia deles de comunismo. A ideia burguesa de que apenas arte ou cultura pode nos salvar, não a luta de classe revolucionária, é uma das características principais de desse discurso.
Dada, porém, a impossibilidade de a arte nos salvar, os marxistas ocidentais caem no que se poderia chamar de criticismo ou melancolia de esquerda. Frente aos problemas reais do capitalismo e às críticas que fazem ao socialismo, eles frequentemente buscam o que chamam de terceira via. É um tipo de pensamento clássico, pequeno burguês, que considera que há um caminho mágico além do capitalismo e do socialismo existente, que tem um curso que é tratado por suas próprias ideias privilegiadas ou conceitos.
Isso pode vir em várias formas diferentes. No caso de alguém como Badiou ou Zizek, tende a ser messiânico, então a ideia do comunismo transcende qualquer coisa que o socialismo tenha encarnado no mundo real, e o que realmente precisamos fazer é ler e estudar e tentar entender a ideia do comunismo, pois, quando eles analisam exemplos práticos e concretos do comunismo, estes, de acordo com Badiou, não parecem realmente comunistas de forma nenhuma.
Um dos exemplos que Badiou gosta de citar é o do Solidariedade, na Polônia. Um movimento muito complexo, que começou como um movimento de trabalhadores para a reforma dentro de um Estado comunista, mas em cerca de um ano, a força principal por trás do Solidariedade passou a ser a CIA, que fez do movimento uma arma de guerra contra os países do Leste em geral e em uma tentativa de derrotar o governo polonês.
Então, obviamente, isso é um investimento no anticomunismo como a nova ideia do comunismo, e não é preciso um gênio para descobrir que há, pelo menos, uma leve contradição nesse raciocínio. Há, porém, outros marxistas ocidentais que são menos messiânicos e menos idealistas e platônicos do que alguém como Badiou, e eles preferem o caminho concreto. E o que eles tendem a celebrar, António Negri seria um bom exemplo disso, Zizek também trafega nessa corrente, eles tendem a celebrar choques e momentos de conflito intenso, mas eles estão opostos a formas disciplinadas de organização hierárquica e planejamento estratégico, que identificam e denigram como se fossem parte do socialismo que realmente existe.
Tudo isso configura, no pensamento deles, uma profecia autorrealizável. Você nunca vai poder mudar o mundo se você acha que isso exige uma teoria inovadora ou você está esperando uma intervenção divina, nem você nunca vai conseguir se você acha que uma rebelião popular desorganizada pode, de forma mágica, vencer contra os estados imperialistas que são altamente organizados, disciplinados e militarizados, com uma extensa experiência em contrainsurgência, além de dominarem a rede de propaganda mais poderosa na história da humanidade.
Em resumo, as coordenadas ideológicas específicas do marxismo ocidental incluem, como mencionei, uma rejeição do socialismo que realmente existe.
Muitos marxistas ocidentais também estão opostos à política revolucionária organizada, incluindo a forma do partido. Para eles, organizar um partido é uma forma que não é mais adequada para o mundo contemporâneo. Isso é também uma demonstração do fato de muitos marxistas ocidentais são anarquistas em roupas marxistas, ou seja, eles estão opostos à forma do partido, mas também são, geralmente, opostos à rejeição do poder estatal, que eles veem como uma outra forma de controle, muito em ligação com uma espécie de orientação anarquista insurgente.
Eles geralmente, de forma ingênua até, advogam a democracia horizontal e são críticos de todas as formas de dominação, em vez de pensar em termos politicamente estratégicos sobre como estruturalmente modificar a sociedade a longo prazo para tornar a democracia realmente universal. Nesse sentido, eles não tendem a ser pensadores estratégicos que reconhecem que a dialética do socialismo às vezes requer táticas que podem parecer contradizer o objetivo geral, mas são a única forma de avançar o socialismo no mundo real.
Finalmente, tendo de escolher entre o comunismo e o capitalismo, os marxistas ocidentais praticamente se unem com o outro, com os capitalistas, contra e sobre os antigos comunistas, com poucas exceções. Em vez de críticos ao capitalismo, eles são essencialmente anticomunistas, capitalistas-acomodacionistas. O efeito geral, então, do marxismo ocidental foi a promoção global de um produto cultural pequeno burguês, com pouco valor de uso para lutas práticas, contra e sobre a ciência coletiva e inovadora de liberação conhecida como materialismo dialético e histórico. Já que a última tem provado sua capacidade de praticamente transformar o mundo, abrindo as linhas do imperialismo, é claramente, do ponto de vista da classe governadora, a arma teórica mais perigosa da luta de classe.
Como não é possível erradicá-la exatamente, há, portanto, um esforço explícito para cultivar essa versão modificada do marxismo que pode espalhar o vírus do anticomunismo sob o capítulo de uma pílula colorida de vermelho. Isso produziu uma versão imperial do marxismo, uma indústria imperial, até mesmo, de discursos acadêmicos inefetivos que são promovidos em todo o mundo como a vanguarda da teoria marxista, mas que, praticamente, servem para desencaminhar, confundir ou simplesmente impedir a busca de um guia teórico rigoroso para a compreensão e transformação do mundo.