“No dia quatro de novembro, 52º aniversário do assassinato de Marighella –pelo menos 24 meganhas da ditadura armados até os dentes contra um homem desarmado, não há confronto, há um assassinato—,o filme vai estrear em mais ou menos trezentas salas de cinema no Brasil, marcando uma grande vitória da democracia, do direito à liberdade de expressão, do direito à liberdade artística e do direito de acesso à informação; e uma grande derrota do obscurantismo, cuja expressão suprema hoje é o governo Bolsonaro e todos aqueles comensais da morte que o sustentam.”
É a avaliação do jornalista e escritor Mário Magalhães, autor da biografia de Carlos Marighella em que se baseia o filme de Wagner Moura sobre a trajetória desse grande dirigente comunista, um dos líderes da resistência armada à ditadura militar. Falando ao TUTAMÉIA na semana das pré-estreias de “Marighella”, o jornalista comenta a importância do filme, demonstra diferenças entre livro e filme e ressalta o papel do guerrilheiro na história do Brasil (clique no vídeo para ver a entrevista completa e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
“Marighella é ao mesmo tempo inspiração e temor. A memória do Marighella atormenta a extrema direita. A construção do silenciamento do Marighella, a construção histórica, foi feito por quem, em vida, o temia. E, depois da morte dele, teme a sua memória. A gente vê esse tormento da extrema direita relativo à memória de Marighella com os ataques que o presidente da República e os filhos do presidente da República e a extrema direita têm feito. Foi feito um esforço feito para que o filme de Wagner Moura não chegasse aos cinemas. Está chegando e vai ser um sucesso”, diz o jornalista.
Magalhães lembra o trabalho de solapa feito contra o filme e a tentativa de censura –disfarçada em trâmites e obstruções burocráticas:
“Quem torceu pela censura, quem executou a censura de fato ao filme Marighella está sendo derrotado. Ninguém é obrigado a ir ao cinema assistir ao filme de Wagner, ninguém é obrigado a conhecer a história de Marighella, ninguém é obrigado a ler o meu livro. Mas é um direito dos povos conhecer o seu passado, é um direito humano. Direito à liberdade de expressão, direito à liberdade artística. E são esses direitos, esses valores civilizatórios, que estão triunfando com a chegada do filme ao cinema. Quem tentou impedir a chegada do filme aos cinemas está profundamente contrariado. Mas ganhou a democracia. Ninguém é obrigado a gostar do Marighella, ninguém é obrigado a odiar o Marighella. Quem quiser ver vai. E muita gente quer ver. Ao contrário do que se diz por aí, multidões querem, sim, conhecer a própria história.”
O atraso da chegada do filme às telas brasileiras –“Marighella” estreou internacionalmente no festival de Berlim em 2019—trouxe prejuízos, claro. Ao mesmo tempo, dá ao lançamento significado mais forte:
“O filme chega num momento em que ele tem um impacto ainda maior do que teria há dois anos ou que teria quando foi filmado”, diz Mário Magalhães. “Acho que ele tem impacto maior agora porque cada vez está mais claro que a identidade do bolsonarismo, do Bolsonaro com a ditadura não é uma coisa só da boca prá fora. Ela tem consequências concretas na vida do país. A ditadura contribuiu para ampliar a desigualdade de renda, a desigualdade de riqueza no país; é o que esses caras estão fazendo agora, o autoritarismo a serviço dos ricos, dos que têm mais, contra os mais vulneráveis, os pobres e os miseráveis.”
Ao longo da entrevista, Magalhães comenta trechos da vida de Marighella expostos em seu livro que não aparecem no filme, assim como episódios da trajetória do revolucionário que surgem no filme de forma diferente da que realmente aconteceram:
“Há diferenças fundamentais entre o meu livro e lindo filme do Wagner. O meu livro é literatura de não ficção. Quando escrevo que ‘o sangue corre da boca de Marighella, e ele sente um gosto adocicado´, eu não inventei: Marighella escreveu sobre isso no livro ‘Por Que Resisti à Prisão”. Eu trabalho com literatura de não ficção/jornalismo; o Wagner trabalha com outra arte, o cinema. A minha narrativa é de não ficção; o filme é de ficção, baseado em fatos reais. E aí acho que o filme é fiel à vida de Marighella e fiel àquilo que escrevi. São linguagens distintas e de fôlegos diferentes. Eu adorei o filme do Wagner. O filme do Wagner deixa claro quem era o Marighella, qual era a luta dele. Ele não só entusiasma as pessoas no cinema como ele emociona: no mundo inteiro são sessões catárticas, de muita emoção, choro, grito.”
Os dois, jornalista e cineasta, compartilham da mesma visão sobre o combatente comunista, no entender de Magalhães:
“A vida do Marighella foi marcada por ação desde o início. Isso é uma coisa em comum da interpretação que eu faço e a que o Wagner faz [no filme], a ideia que que Marighella foi sobretudo um homem de ação. Ele não era um sujeito que rebaixava o debate intelectualmente, mas era um homem de ação. Chegava uma hora em que ele dizia: ‘Chega de papo, vamo pro pau, vamos para a ação’, mesmo que essa ação fosse apresentar no parlamento um projeto para assegurar o direito de greve, como a bancada comunista fez na Constituinte.”
E resume:
“O gesto do Marighella, de ir para a luta armada contra a ditadura, é muito marcante. Sem entrar no mérito, se estava certo ou se estava errado… Exerce o direito humano da rebelião contra a tirania. Foi a escolha que eles fizeram. O que a gente vê no filme é gente que foi lutar, que deu a vida por valores que são exatamente contrários aos valores que vigoram hoje no poder no Brasil.”
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