A ascensão de governos de ultradireita em vários países do mundo aumenta os riscos de ataques às mulheres e aos direitos das mulheres. No governo Trump, por exemplo, nada menos que 32 Estados questionam na Justiça a legislação sobre o aborto.
É o alerta que fazem as advogadas Christine Villeneuve e Élisabeth Nicoli, dirigentes da organização francesa Aliança das Mulheres pela Democracia (AFD). Também diretoras da editora Des Femmes – Antoinette Fouque, elas estiveram no Brasil no início de novembro para o lançamento da edição bilígue de “Poemas de Recordação e Outros Movimentos” (Poèmes de La Mémoire et Autres Mouvements), de Conceição Evaristo.
Falando ao TUTAMÉIA (com a gentil participação da brasileira Izabella Borges, professora da Sorbonne e colaboradora da editora Des femmes, que atuou como tradutora na nossa conversa), elas afirmaram que os governos de ultradireita e os movimentos fascistas atacam as mulheres exatamente porque “as mulheres são a ponta de lança da luta pela democracia”, como dizia a ativista Antoinette Fouque, uma das fundadoras da AFD e da editora que hoje também leva seu nome.
Por isso, elas discordam de quem afirma que a luta das mulheres por seus direitos divide o movimento popular. “Nós dizemos que não: nós multiplicamos. Quando lutamos pela liberdade das mulheres, estamos lutando pela libertação dos oprimidos em geral, estamos lutando pela democracia”.
E seguem, citando a ascensão de governos de ultradireita na Europa e no Brasil: “Hoje em dia, podemos perceber que em todos esses novos modelos de autocracia, em vários lugares do mundo, as mulheres imediatamente tomam a frente da luta pela redemocratização porque elas sabem que elas têm muito a perder. Esses governos fálicos, a primeira coisa que fazem quando sobem ao poder é atacar as mulheres.”
É neles que se amplia o feminicídio, a restrição aos direitos das mulheres, a ampliação das diferenças salariais. É por isso que elas afirmam: “O machismo faz a cama para o fascismo” (confira a entrevista completa no vídeo no alto desta página).
Christinne Villeneuve destaca que as lutas das mulheres trazem benefícios para toda a sociedade: “Quando direitos das mulheres são inscritos na lei, isso faz avançar a defesa de direitos dos homossexuais e de outras categorias discriminadas”.
“A liberação das mulheres funcionou como alavanca para a liberação de toda a sociedade, com a criação de novas leis que permitem a toda a sociedade usufruir da democracia”, concorda Élisabeth Nicoli.
Alerta, porém, que a conquista de direitos provoca reações, “um protesto viril, machista. Há um movimento de liberação de um lado e uma reação viril de outro”, diz.
“Os crimes contra as mulheres são exemplo dessa reação e uma questão central na luta democrática, inclusive no Brasil”, completa.
Aliás, as duas, com Antoinette Fouque (1936-2014), são antigas parceiras das lutas dos brasileiros pela democracia. Vieram ao Brasil pela primeira em 1974, em plena ditadura militar. Na época, tiveram encontros como dirigentes do movimento feminista brasileiro e com integrantes da resistência à ditadura militar.
Foi quando Fouque decidiu passar a publicar a produção de escritoras e intelectuais brasileiras, como Clarice Lispector –editaram em francês as obras “quase” completas—e Nélida Piñon, Rose Marie Muraro e Marilena Chauí; agora, fazem a primeira edição bilíngue da poesia de Conceição Evaristo (saiba mais sobre isso na entrevista de TUTAMÉIA com Evaristo, CLIQUE AQUI).
O ativismo das brasileiras também está presente em produções gerais da editora, como o “Le Dictionnaire Universel des Créatrices” (Dicionário Universal das Mulheres Criadoras), em que aparece Marielle Franco –o verbete foi escrito por Izabella Borges e você pode lê-lo CLICANDO AQUI).
Ativismo que é uma necessidade diária, afirma Villeneuve: “Em qualquer governo, na França ou no Brasil, de direita ou de esquerda, tanto as mulheres quanto os homens devem agir e pensar politicamente, continuar a luta, continuar a resistir. A resistência é para sempre, e nada será dado de graça, nada será conquistado sem luta. Ao contrário, sem luta os direitos serão retomados.”
E as mulheres têm um papel especial nessa luta, como têm um papel especial na sociedade, já que são três vezes produtoras, segundo conceito de Antoinette Fouque lembrado por Nicoli na entrevista: “As mulheres cumprem o trabalho doméstico, e o trabalho profissional, mas elas cumprem também aquilo que constitui a maior riqueza da humanidade, que é a produção das crianças, a procriação. As mulheres engravidam, são capazes de produzir um ser vivo. É uma capacidade única das mulheres, é a maior riqueza das mulheres, mas também causa provoca nos humens uma grande inveja no âmbito do inconsciente. Freud criou o conceito da inveja do pênis, e Fouque desenvolveu o conceito da inveja do útero. Essa é a raiz da misoginia. Como os homens não podem procriar, eles colocam da mulher numa situação de escravo, eles se apropriam da criação.”
Eis aí por quê, no entender dela, o movimento das mulheres é também “um movimento que luta pela saída de uma situação de escravidão. É um movimento que luta por uma sociedade melhor, mais justa, com mais democracia”.
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