“O cinema está sob ataque, demais da conta. Todo o conhecimento e todos os artistas e a arte estão sob ataque”, denuncia a atriz Débora Duboc em entrevista ao TUTAMÉIA.
Falando sobre a relação do governo Bolsonaro com a cultura, ela diz: “Estamos passando por um momento, principalmente na Ancine, em que a ação é não agir, para deixar que o cinema nacional morra. E ele é a nossa identidade”.
As razões disso estão claras para a atriz:
“A gente está sob ataque porque a gente traz a reflexão, a gente bate de frente quando esse fascismo, esse autoritarismo, essa barbárie começa a chegar. Os artistas são geralmente pessoas que não se intimidam em colocar sua visão de mundo e se opor à barbárie que a gente está vivendo.”
Na entrevista (veja a íntegra no vídeo acima), ela falou sobre algumas das articulações do mundo da cultura, como o coletivo Artigo Quinto, que se mobiliza contra a censura, em defesa da liberdade de expressão. Há também o #ExperimenteTeatro, que divulga espetáculos e trabalhos artísticos.
Mais do que isso, afirma Duboc, fazer arte e consumir cultura neste momento são atos de resistência e rebeldia.
“Hoje eu acho que ir ao cinema para assistir a uma película brasileira é um ato político. E a arte é uma resposta à barbárie. Sinto que existe um projeto para acabar com a educação brasileiro, agora também há um projeto para acabar com a arte brasileira, quebrar as pernas dos artistas. Mas é como a Marieta falou: ‘A gente já passou por tantas, mas a gente não desiste’. O poder de resistência da arte é muito forte.”
Ela segue:
“Nossa resposta vem também através da arte. A gente tem de dar uma resposta à barbárie, a gente não pode ficar quieto. Mas eu sinto que a gente não pode responder da mesma forma que eles, porque nós não somos feitos do mesmo barro. E a arte é um canal nesse sentido, muito importante. Os filmes brasileiros, as peças, os músicos, a gente tem um papel fundamental para trazer esse outro lado, o lado da poesia, o lado do pensamento. Para mostrar que existe uma outra possibilidade, que não é esta que a gente está vivendo.”
Aliás, mostrar que há outras possibilidades para a vida, que é possível ter esperança e lutar por mudança, está na essência do filme “Onde Quer Que Você Esteja”, em cartaz em São Paulo, e da peça “A Valsa de Lili”, que deve voltar à cena paulista em breve, ambos com a presença de Débora Duboc.
“No filme, dou voz a essa mulher de 50 anos, que está ligada, está na vida. É um filme que fala sobre desaparecidos, mas onde acontecem muitos encontros. Quando a gente vai ao encontro do outro, a gente sai mais fortalecido.”
Por causa o trabalho de preparação para o filme, ela conheceu a ONG Mães da Sé, que reúne parentes de desaparecidos –a gente que busca um familiar há mais de vinte anos. E ficou indignada com a descoberta de que não há, no Brasil, um cadastro geral de pessoas desaparecidas –mas, para carros, há. “Esse é o mundo em que a gente vive, um carro vale mais que um pai, uma mãe, um filho”, diz ela.
Conta também sobre outras descobertas que seu trabalho propiciou: a peça em que atua trata da epopeia de uma mulher que só controla seus movimentos do pescoço para cima, vítima que foi da poliomielite.
“E a pólio está voltando!”, diz Débora. “Como é que pode? Uma doença que estava erradicada, reaparece”, apontando a responsabilidade do governo nesse ataque à saúde do povo: “É a política da morte”.
Política de destruição que acontece em todas as áreas e que tem apoio em parte do sistema da Justiça, afirma Débora Doboc, condenando todo o processo contra o ex-presidente Lula e falando das manifestações dos artistas por Lula Livre.
“A luta pela liberdade de Lula representa para mim a retomada da democracia”, diz ela, dizendo que é uma luta de toda a sociedade, por justiça e igualdade de tratamento. E que outros podem ser atingidos por essa guerra jurídica –lembra, por exemplo, o caso dos militantes do movimento popular por moradia, hoje em prisão preventiva em processo considerado por muitos absolutamente irregular.
É contra tudo isso que é preciso se rebelar, se insurgir, ao mesmo tempo em que cada um busca se reconstruir, diz Duboc, citando uma frase de Sartre: “A gente é aquilo que a gente faz com o que fizeram da gente”.
A resposta tem de ser construída em conjunto, acredita ela:
“A gente precisa se juntar para remar nesse sentido de acabar logo com essa onda fascista. A gente tem um talento para a alegria, um talento para o encontro, a gente tem um talento, sim, para a solidariedade. O Brasil é um país solidário. E, quando isso foi incensado, quando isso foi celebrado, a gente virou o país da vez. E é isso que tem de voltar com tudo.”
“Todos os artistas que tem tomado posição diante do fascismo, diante da barbárie e da truculência que a gente está vivendo, têm pago um preço, sim, mas também tem ganho esse lugar de afirmar: eu não estou aqui para ficar calado. Só assim a gente celebra a nossa menor grandeza, como dizia Brecht, nosso encanto, nossa magia. É um milagre a gente estar aqui nesta planeta, ele é lindo, não dá para aceitar a barbárie.”
E promete:
“A gente não vai deixar. A gente vai plantar novos bosques.”
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