“O governo de Jair Bolsonaro pretende transformar o país em uma grande senzala e um território servil aos Estados Unidos”, apontam entidades de todo o país que fazem parte da Convergência Negra. Em documento em que denunciam a política racista e genocida do governo Bolsonaro, também afirmaM seu compromisso com a luta pela democracia no Brasil e pela liberdade do ex-presidente Lula. O manifesto, chamado “Carta de São Paulo”, foi produzido em reunião no dia 21 de setembro, com a participação presencial de representantes das seguintes organizações do movimento negro brasileiro:  Agentes de Pastoral Negros do Brasil, CENARAB, CEN – Coletivo de Entidades Negras, Círculo Palmarino, CONAJIRA, CONEN – Coordenação Nacional de Entidades Negras,Rede Quilombação e UNEGRO – União de Negras e Negros pela Igualdade. No encontro,”a Convergência Negra Brasileira reafirmou seu papel na luta contra as pautas levadas às últimas consequências pelo projeto de ultradireita que se consolida como principal inimigo do progresso do país”.

A seguir, a íntegra do documento.

CARTA DE SÃO PAULO

GOVERNO BOLSONARO: COLONIALISMO, RACISMO E GENOCÍDIO NEGRO

Vivemos tempos de guerra e de ainda mais resistência contra o racismo. O governo de Jair Bolsonaro, eleito pela elite conservadora e colonialista do Brasil, saudosa do açoite de negros e negras nos pelourinhos da época escravista, pretende transformar o país em uma grande senzala e um território servil aos Estados Unidos

Mecanismos racistas praticados contra jovens negras e negros nas periferias são a inspiração para o arranjo institucional do atual presidente da República brasileira e dos seus correligionários, um grupo de milicianos incrustados no Estado para exterminar um povo e uma classe social e beneficiar-se do patrimonialismo racista que estrutura o Brasil.

O desmonte do país a mando do imperialismo estadunidense se expressa pela entrega, para a iniciativa privada internacional, do pré-sal e de empresas estatais estratégicas – ação na qual está incluído o desmonte da Petrobrás, a maior estatal brasileira, atacada pela Operação Lava Jato.

Destaca-se, ainda, a destruição da Amazônia e de todo arcabouço institucional de proteção ao meio ambiente construído e apoiado pelo Brasil, de forma a atender as demandas do agronegócio e buscar transformar o país em mero exportador de commodities e prejudicar a agricultura familiar que produz a maior parte dos alimentos consumidos pela população brasileira. Além das comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas, que têm suas terras invadidas pelos ruralistas. Dentro disso, a iminente entrega da base de Alcântara (Maranhão) aos Estados Unidos coloca em risco as terras das comunidades quilombolas próximas — e consequentemente a nossa memória e cultural.

A desregulação das políticas de proteção social, como o fim dos direitos previdenciários e trabalhistas, além do desmonte das políticas de igualdade racial e combate ao racismo implementados nos governos democráticos e populares de centro-esquerda, estão acentuando ainda mais a miserabilidade da população, em especial da população negra, maioria do Brasil.

A resposta apresentada pelo governo Bolsonaro a esta situação é a intensificação dos mecanismos de repressão e violência.

O neofascista governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel tem seguido tal política de forma escancarada, promovendo operações policiais desastrosas, destruindo carros, casas e vidas de jovens que são assassinados pelas balas que, apesar de ditas “perdidas”, só são encontradas dentro dos corpos negros, como no caso da menina Ágatha Félix, 8 anos, brutalmente morta na última sexta-feira, 20, pelas forças armadas do Estado brasileiro.

Em São Paulo, o governador João Dória, que reivindica o posto de filho legítimo da elite econômica e política nacional, segue a mesma linha. Ambos celebram o aumento de assassinatos praticados por policiais. Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro promete até mesmo indultar policiais condenados por crimes.

O que vemos, na atual conjuntura, é uma continuação radicalizada do golpe parlamentar-midiático que tirou do exercício do poder, em 2016, a presidenta eleita Dilma Rousseff (PT), confluência do Partido da Operação Lava Jato (representado no governo pelo ex-juiz e atual ministro da Justiça e da Segurança Pública Sérgio Moro, autor do criminoso Pacote Anti-Crime que legaliza a morte do povo negro), dos segmentos mais reacionários do capital financeiro e agroexportador, do fundamentalismo religioso e do “Partido da Bala”. O objetivo é transformar o Brasil em uma colônia, destruindo qualquer possibilidade de um projeto nacional de desenvolvimento.

Está intrinsecamente ligada a essa questão a prisão do ex-presidente Lula em Curitiba, notadamente sem provas e sem a preservação do devido processo legal, e a seguida e incessante campanha de destruição dos seus feitos no que tange o combate às desigualdades do Brasil e que beneficiaram sobretudo o povo mais pobre, e portanto negro, da nossa sociedade.

Frantz Fannon fala que o colonialismo está diretamente ligado ao racismo. O projeto colonialista de Bolsonaro tem o racismo como o seu fundamento central. É a população negra brasileira o principal alvo dos desmontes das políticas públicas e da institucionalização da violência. O colonialismo de Bolsonaro significa o acirramento do genocídio da população negra, sem voltas ou contornos possíveis.

É por isso que, reunida no último dia 21 de setembro de 2019, a Convergência Negra Brasileira reafirmou seu papel na luta contra as pautas levadas às últimas consequências pelo projeto de ultradireita que consolida-se como principal inimigo do progresso do país.

Elencamos, assim, pontos da luta social a serem defendidos prioritariamente por essa frente, que reúne as principais organizações sociais do movimento social negro brasileiro, sendo elas: as lutas contra a destruição da Previdência Social, contra o desmonte da educação federal e a tentativa de implementar um modelo conservador e antidemocrático nas escolas, contra a política de segurança pública genocida do Estado brasileiro, contra o discurso fundamentalista e intolerante que incentiva o racismo religioso, contra os retrocessos na luta pela regularização fundiária dos territórios ocupados pelos sem-terra, pelas comunidades quilombolas e pelos povos indígenas, contra a fome, a pobreza, a desigualdade e o desemprego que provocam a insegurança alimentar e a miséria nas ruas do Brasil, contra o ódio e a criminalização dos movimentos sociais, contra a destruição da soberania nacional e em defesa da vida das mulheres negras e da população LGBTQI+, além da luta incessante e inegociável pela retomada do Estado Democrático de Direito. Também nos solidarizamos com o presidente Lula e reafirmamos que estaremos em sua defesa, porque defender Lula Livre significa defender a própria democracia.

Se em outras cartas, escritas em governos aliados, reivindicamos o avanço em pautas históricas, nesta conjuntura prometemos reagir à altura para defender nossas conquistas e impedir os retrocessos que tentam nos impor. Acreditamos piamente que o Estado miliciano não vencerá o povo negro e pobre do Brasil, ao tempo em que temos convicção de que somente a luta de cada um de nós, unificados nesta frente de convergências, vencerá o colonialismo, sistema que, temos certeza, irá fracassar na tentativa de nos subjugar.

 

São Paulo, 21 de setembro de 2019.

 

Convergência de Luta pelo Combate ao Racismo no Brasil –

Convergência Negra