Morreu o operário metalúrgico LÚCIO BELLENTANI, ativista sindical preso e torturado em 1972 na fábrica da Volkswagen em São Bernardo.  Deixa uma herança de luta e resistência, de incansável trabalho para recuperar e denunciar um aspecto menos conhecido da ditadura militar: a colaboração ativa de parte do empresariado com a repressão e a tortura.

Em entrevista a Carmen Evangelho, do Centro de Memória Sindical, ele contou ou pouco de sua história:

“Sou natural de São Paulo, caipira daqui mesmo, de Birigui, nasci em 30 de novembro de1944. Sou filho de camponeses. Descendente, por parte de pai, de italianos, e mãe espanhola. Meu pai, até a idade de rapazola, trabalhou no campo. Depois, foi pequeno industrial, na cidade. Nesse meio período, cheguei a trabalhar no campo também, colhendo algodão, café. Vim para São Paulo em 1955. Meu pai trabalhou esse período todo como biscateiro. Ele era marceneiro de profissão e pequena indústria, tinha uma marcenaria pequena, ajudei muito nisso. Meu primeiro emprego foi em farmácia. Embora, quando vim para São Paulo, por uma questão de necessidade, engraxei sapatos, vendi óleo na rua, vassouras. Depois fui trabalhar numa marcenaria. Trabalhei na Lorenzetti, dois meses. Pedi a conta e fui para um banco, três anos. Uma das grandes contradições, trabalhando em banco, escriturário, estudando desenho técnico mecânico. Entrei como aprendiz, ajudante de uma oficina mecânica, em Santo André e comecei a aprender ferramentaria. Exatamente na época quando houve a conquista do 13º salário, em 1962.”

Na entrevista, realizada em 1984, Bellentani também falou sobre o início de sua militância:

“Comecei a atividade sindical desde o curso de desenho. Aqui em São Caetano, na Escola 28 de Junho. Era aquele período de 1963, tinha aquela turbulência grande, principalmente, no movimento estudantil e sindical. Eram aquelas manifestações que aconteciam de enterro de prefeito, vereador, e participávamos. Foi aí que levei as primeiras borrachas no lombo, participando dessas passeatas. Trabalhando no banco. Em Santo André, você não tinha ainda o Sindicato dos Bancários. Era sócio, me filei e participava de reuniões. Quando entrei para a oficina mecânica, não me sindicalizei, não fui para o Sindicato dos Metalúrgicos, mas participava. Ia às assembleias, participava do movimento. Comecei com a militância, não só sindical como política, mais efetiva, a partir de 1964, quando entrei na Volkswagen. A primeira coisa foi participar das assembleias do sindicato.”

Da militância sindical passou à atividade política, ingressando no PCB. Às onze da noite de 28 de julho de 1972, foi preso em sua bancada de trabalho, na fábrica da Volkswagen do Brasil:

“Eu levava marmita, não comia no refeitório da Volks. Estava lá na minha bancada de serviço comendo. O guarda chegou e me bateu no ombro, perguntou se era o Lúcio. Sou eu mesmo. Então, você me acompanha até lá embaixo na segurança. Eu sentado ali com o garfo na mão. Mas por quê? Lá embaixo você vai ter as explicações, não tente nenhuma reação. Quando viro e olho para trás, tem um cara com uma metralhadora nas minhas costas.Levantei, saí. Na hora que passo pela primeira coluna, tem outro cara, com um parabelo que não tinha nem tamanho. Fui para a sala de segurança da Volks e comecei a ser torturado, levei uns bofetões, pontapés da polícia, do pessoal do DOPS. Fui levado para lá, era uma sexta-feira. Ao chegar, foi a primeira seção de pancadaria. Pontapés, socos, tapas, palmatórias.”

As torturas seguiram por dias a fio, mas ele acabou saindo. E voltou à luta pela democracia. Depois do fim da ditadura e com a ampliação das liberdades democráticas no Brasil, participou de campanhas por reconhecimento e reparação dos crimes cometidos pela empresa.

No último dia 13 de maio, por exemplo, participou de uma comissão de trabalhadores que foi à empresa tratar do assunto, como relatou reportagem da Rede Brasil Atual, da qual reproduzo um trecho:

“Um grupo de aproximadamente 40 ex-funcionários da Volkswagen, que sofreu perseguição no período da ditadura, foi nesta segunda-feira (13) à fábrica de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, cobrar reparação pelas atitudes da empresa durante o regime autoritário. Um acordo está sendo costurado entre o Ministério Público e a montadora, mas os trabalhadores afirmam que não tiveram acesso aos termos negociados.

“O grupo foi na tarde de hoje distribuir jornais na troca de turnos da fábrica, entre 13h45 e 15h30, aproximadamente. Havia trabalhadores demitidos por militância política, presos e torturados, com o caso notório de Lúcio Bellentani, que em 1972, quando era militante do PCB, foi detido ainda dentro da Volks, por agentes do Dops, acompanhados de seguranças da própria empresa. Atualmente, ele preside a Associação Henrich Plagge, homenagem a um ex-metalúrgico que morreu em 2017 e também foi vítima da repressão.

“Os protagonistas não estavam participando da negociação”, afirmou Bellentani, ainda na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, de onde os ex-trabalhadores saíram para a fábrica. “Quando nós entramos, o Ministério Público já tinha um acordo pronto com a Volks. Já tinha um pacote para a gente. Temos minimamente o direito de participar dessa discussão”, acrescentou, afirmando que a associação não teve acesso aos termos do possível acordo.

Desde que um dossiê foi elaborado pelo instituto Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas (IIEP), em 2015, o caso da Volkswagen tornou-se o mais avançado em termos de investigação sobre colaboração de empresas com a ditadura. Várias delas, públicas e privadas, ajudaram a repressão, materialmente ou passando informações sobre empregados “subversivos”. A Comissão Nacional da Verdade dedicou ao tema parte de seu relatório final, assim como as comissões organizadas na Assembleia Legislativa paulista e na Câmara Municipal da capital.”

O caso da Volkswagen foi tema de um documentário produzido pela emissora alemã Deutsche Welle, que apresento a seguir.

LÚCIO BELLENTANi, PRESENTE, AGORA E SEMPRE!