Há cinco anos o debate sobre impeachment explodia nas ruas e no Congresso. Enquanto o golpe se consumava, as cineastas Anna Muylaert e Lô Politi resolveram ir para dentro da residência da Presidência da República para conhecer os bastidores daquele momento crucial, cujas consequências estão expostas hoje nos cemitérios do país.
O resultado está no documentário “Alvorada”, lançado agora no festival É Tudo Verdade. Ao TUTAMÉIA, Muylaert e Politi falam do projeto do filme, de suas dificuldades e da importância da obra neste momento (acompanhe a íntegra da entrevista no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
Fala Anna Muylaert:
“O golpe de 2016 foi um golpe com cara de constitucional, mas foi um golpe inconstitucional. Mais uma vez a elite brasileira se uniu nas suas várias facetas –imprensa, empresariado, classe política—e, sem crime de responsabilidade, tiraram uma presidente. A democracia estava no trilho e saiu do trilho. Para quem apoiava Dilma na época era claro. Esse golpe foi arquitetado para voltar para o poder um certo tipo de pessoa, só que houve um descontrole”.
Ela lembra da fala de Bolsonaro em homenagem ao torturador Brilhante Ustra.
“No próprio 17 de abril [de 2016, dia da votação sobre o impeachment na Câmara dos Deputados] surgiu. Ali foi um trailer do que a gente está vivendo agora. Surgiu uma pessoa que falou a coisa mais violenta de todas. Ali descontrolou. Esse cara que era uma zebra, não estava ligado a nada, acabou sendo o candidato de todas essas pessoas. Mais uma vez, a elite tentou manipular os rumos da nação. Só que dessa vez as consequências estão sendo, ainda com a pandemia, um nível de desastre que beira à tragédia”.
Lô Politi conta que se surpreendeu quando a presidenta Dilma concordou com a ideia de colocar uma equipe de filmagem dentro do Alvorada naquelas semanas cruciais. Era um período tenso, com manifestações hostis pelas ruas. “Estava uma coisa muito violenta em relação a ela”, rememora.
Para ela, “Alvorada” está sendo lançado “no tempo perfeito”. Isso porque “para compreender esse momento, a gente tem que ir para o que foi a semente dele no processo de impeachment. É muito ilustrativo o que está acontecendo agora e que começou ali. E dali descontrolou. Infelizmente, ainda vai piorar tudo antes de melhorar. E, se a gente tiver contribuído para dissecar o momento onde isso tudo foi fomentado, o filme já vai ter cumprido um excelente papel”.
Anna Muylaert (“A Que Horas Ela Volta”) afirma que o filme mostra o “lado solar” de Dilma e relata as suas impressões como cineasta ao adentrar nos bastidores do palácio:
“Quando a gente chegou havia uma expectativa de que houvesse uma grande resistência, que o palácio fosse transformado num bunker de guerra, num ‘vamos tentar reverter’. Mas quando a gente chegou, a impressão era de que era uma crônica de uma morte anunciada. A tsunami contra ela era tão grande que a resistência era menor do que eu imaginava. Nesse sentido, me surpreendeu”.
Lô Politi (“Jonas”) assinala:
“O que me surpreendia era o silêncio e a melancolia com que estava acontecendo aos olhos de todo o mundo. Uma melancolia no ar durante meses. Uma coisa que você podia cortar à faca. A resistência veio muito dela. O entorno tentava fazer com que ela se sentisse confortável. Mas veio muito dela e muito interna. Não é uma resistência ‘vamos para a rua’. Era muito essa coisa de se manter no eixo. Isso é resistência mesmo. É muito surpreendente: toda aquela violência e ela não desequilibrar. A gente conseguiu mostrar isso”.
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