“Vivemos uma situação muito difícil. Mas o povo brasileiro, o Brasil é maior do que isso”, diz o jornalista Franklin Martins, ministro da Comunicação no governo Lula, em entrevista ao TUTAMÉIA.

Ao longo de pouco mais de uma hora de conversa, Franklin analisou as motivações do golpe que derrubou a presidenta Dilma e a perseguição sem tréguas a Lula. Denunciou o oligopólio da mídia no país, demonstrou a falência da política golpista e apontou caminhos para a reconstrução nacional.

“Existe um sentimento crescente de que nada funciona e que não há saída. Isso é um equívoco”, disse ele. E continuou: “Nada funciona no país, a primeira parte está correta. Mas que não tem saída, não, está errado. A saída está na realização de eleições livres para que o povo, através do voto e do debate público, defina o rumo para o país”.

A seguir, a visão de Franklin Martins sobre alguns dos temas que discutimos.

ORIGENS DO GOLPE

O golpe foi vitorioso com uma narrativa única, comandada pelas Organizações Globo e pela imprensa em geral, sem dúvida nenhuma articulado com interesses internacionais. Na raiz do golpe está o fato de o Brasil ter descoberto as maiores jazidas de petróleo do século 21,  e o fato de o governo Lula ter modificado o sistema de exploração, que, ao invés de ser de concessão, passou a ser de partilha, que deixava a maior parte dos recursos na mão do Estado brasileiro, definindo, inclusive, que a maior parte dos recursos iria para o sistema de educação. Era, como dizia o Lula, um passaporte para o futuro, não só do ponto de vista da riqueza, mas do ponto de vista da incorporação à educação de milhões e milhões de jovens, que poderiam passar a produzir tecnologia, ciência, conhecimento.

AÇÃO DA MÍDIA

Um problema seríssimo que é o oligopólio da mídia no Brasil. A imprensa, no Brasil, jogou um papel crucial no golpe. Agora, na perseguição a Lula o tempo todo também jogou um papel.

Imagine um país que só tenha uma igreja. Vai ter gente com religião diferente? Só é permitido uma igreja…

No Brasil só tem uma mídia, uma imprensa. Todos falando igual, com algumas nuances, mas todos falam igual. Em democracia nenhuma no mundo se tolera uma coisa dessas, porque é direito do cidadão ter acesso a uma informação plural, para poder escolher, poder formar sua opinião.

FALÊNCIA DO GOLPE

Eles acreditaram, talvez, em algumas das bobagens que eles falaram, que é: “Em seis meses nós ajeitamos a economia”. Taí, dois anos depois, eles não têm resposta para os problemas econômicos.

Eles não têm candidato.

Eles [os golpistas] não têm condição de ganhar eleição. Eles sabem: eleição para presidente, eles só têm condição de ganhar se for uma fraude. Se ela for uma oportunidade de uma debate público sobre dois terços do povo brasileiro cabem no Brasil ou não cabem no Brasil, o petróleo do pré-sal deve ficar para o Brasil ou deve ser vendido na bacia das almas para os estrangeiros, os pobres devem ter acesso à universidade ou não devem ter acesso à universidade, os negros devem ter cotas ou não devem ter cotas…

PERSEGUIÇÃO A LULA

É uma perseguição monumental, e o povo está se dando conta disso. O Lula continua sendo a grande liderança do país, a grande referência, só que eles não querem deixar que ele seja candidato à presidência.

Eles vão tentar impedir pelo mecanismo jurídico. Acho que Lula continuará candidato, e deve levar até o fim esse tipo de coisa, e acho que as forças políticas agrupadas em torno dele, as forças de esquerda, estarão juntas na eleição. E, se estiverem juntas, ganharão a eleição.

FORÇAS ARMADAS

Foi no governo Lula que as Forças Armadas tiveram um reconhecimento melhor da importância de seu papel. A definição da estratégia nacional de defesa, que é algo fundamental, tirou as Forças Armados do acostamento, mostrando o papel que elas têm. Ou seja: não é a segurança nacional contra o povo, mas a defesa dos interesses nacionais, da soberania nacional contra quaisquer inimigos que venham a tentar interferir no país.

É necessário ter o fortalecimento das Forças Armadas. Aí entra o projeto de transporte, entra o projeto dos tanques, entra o submarino, entra a reorganização das Forças Armadas… E o governo Temer, o governo Temer reduz as Forças Armadas a o quê? A ser uma força auxiliar da polícia. Oficial do Exército não foi feito para ser capitão do mato, para entrar em favela e revistar moleque que está indo para a escola.

Não acredito que os soldados, que os oficiais do Exército vejam aquilo e se sintam confortáveis.

O Brasil é um país com riquezas extraordinárias… A Amazônia, Amazônia azul, o maior aquífero do mundo, imenso território, tende a ser o maior produtor de alimentos do mundo em muito pouco tempo… Ou seja, o Brasil não pode ser frágil do ponto de vista de defesa, ele tem de ter uma defesa com caráter de dissuasão… Quem não tem poder de dissuasão pode ser vítima de ataque e não ter condições de se defender.

O PAPEL DE LULA e o PODER DO VOTO

O Lula não foi eleito para fazer uma revolução soviética no Brasil. Ele foi eleito para fazer um processo de inclusão social no Brasil. E honrou aquilo que prometeu, fez. Isso num país onde a exclusão social é a marca, isso promoveu, entre aspas, “uma revolução”. Isso permitiu que os pobres olhassem e dissessem: “Epa, eu posso ter vez no meu país”.

Acho que o empresariado, em sua maioria, está perplexo como a sociedade está perplexa. Ele achava que em seis meses [a situação] se ajeitava tudo, e não se ajeitou. Com um quadro desses, quero ver vir estrangeiro aqui para investir no Brasil –a não ser para comprar na bacia das almas o que já está construído. Mas investimento novo???

As forças progressistas devem discutir inclusive com o empresariado. Temos que pacificar o país. A meu ver, só há uma coisa que é capaz de reorganizar o país, dar rumo para o país, acabar com esse mingau que nós estamos vivendo e pacificar o país, criar um ambiente de entendimento, que é o voto popular. Fora do voto, o Brasil é ingovernável.

RECONSTRUÇÃO DO PAÍS

Temos de fazer um discurso de pacificação do país. O Lula é a pessoa mais qualificada para fazer a pacificação, que significa basicamente o seguinte: o Brasil só pode ser governado com instituições que sejam organizadas a partir do voto popular, da definição da maioria. Fora disso não tem solução, fora disso não há país.

O processo de construção é lento, mas ele tem de ter um critério básico: quem manda no país é o voto popular, quem manda no país não é a TV Globo, quem manda no país não são os think tanks americanos e essas coisas esquisitas, quem manda no país não é o Moro…

A ideia de que tem de reorganizar o país é fundamental. Tem de reorganizar o país sem caça às bruxas, com um processo de pacificação, com base em valores democráticos. O voto tem de organizar as instituições.

LIÇÕES DA HISTÓRIA

Uma vez, entrevistaram Ho Chi Min, que era o primeiro ministro do Vietnã. Era em 1969, Hanói estava sendo submetida a bombardeios de B-52 diariamente etc., e o Ho Chi Min dizia a jornalistas norte-americanos: “Nós ganhamos a guerra”. Foi interrompido, os jornalistas dizendo como aquilo era possível, eles estavam sendo bombardeados o tempo todo….

Ho Chi Min respondeu: “Não tem jeito. Mal ou bem, os Estados Unidos estão a 13 mil, 14 mil quilômetros daqui. Eles vão ter de ir embora. Nós moramos aqui. Eles podem fazer isso tudo, mas eles vão ter de ir embora. Isso aqui é nosso”.

Alguns anos depois, isso veio a se confirmar.

Eu vou dizer o seguinte: Isso aqui é nosso. Se nós tivermos liderança e povo e Forças Armadas que digam isso aqui é nosso, e nós não admitimos nos ajoelhar para quem quer nos tomar, isso será nosso.