“Queres ir embora? O dia ainda não está próximo… Era do rouxinol, e não da cotovia a voz que feriu o fundo receoso de teu ouvido… Todas as noites canta naquela romãzeira. Acredita, meu amor, era o rouxinol.”
“Era a cotovia, mensageira da aurora. E não o rouxinol! Olha, meu amor, que raias invejosas de luz separam as nuvens no Oriente longínquo. Os círios da noite já se queimaram e o jucundo dia, está, de pontas de pés, no brumoso cimo das montanhas… Preciso partir e viver, ou ficar e morrer.”
Julieta tenta convencer Romeu a ficar mais um pouquinho. Não há diálogo mais simbólico do namoro, do amor proibido, da atmosfera inebriante que toma conta de um casal mergulhado em romance. O texto clássico de William Shakespeare trata do encontro entre dois adolescentes dispostos a tudo para ficar juntos e romper as amarras das famílias rivais.
Mais de 400 anos depois de sua estreia, em Londres, a peça “Romeu e Julieta” (1597) navega agora em outro diapasão. Saem os adolescentes, entram os veteranos. Romeu é careca e tem barba branca; Julieta é cheia de rugas. Com vigor, interpretam as mesmas falas tantas vezes repetidas no teatro e no cinema.


Renato Borghi, 80, faz um Romeu atormentado, inebriado, elétrico. Miriam Mehler, 82, é a Julieta ousada, romântica, obstinada. Os dois tiveram suas trajetórias alicerçadas nas origens do teatro moderno brasileiro. Atuaram juntos por exemplo, em 1964, em “Andorra”, de Max Frisch –também um romance trágico (foto acima). Há poucos meses, Borghi brilhou ao reencarnar, 50 anos depois, o terrível Abelardo, de “O Rei da Vela”, clássico de Oswald de Andrade.
A concepção do diretor Marcelo Lazzaratto confere leveza e informalidade ao espetáculo. O clima é quase de ensaio contínuo, num cenário despojado e com apenas dois atores (Carolina Fabri e Elcio Seixas) se revezando nos papéis secundários.
Borghi e Mehler têm talento de sobra, já não precisam provar nada para ninguém. Estão relaxados, exalando segurança, precisão, cumplicidade. Parecem se divertir com o namoro adolescente que encarnam.
Muito diferente dos jovens protagonistas vividos por Leonard Whiting e Olivia Hussey no filme de Franco Zeffirelli de 1968. Há 50 anos, a fita foi um enorme sucesso e levou Shakespeare às massas.
Agora, a sensualidade do casal ganha outra dimensão. Na contracorrente da constante exaltação à juventude, o espetáculo surpreende –especialmente no final. Saímos contentes, ouvindo Milton Nascimento e namorando. Relaxados também, como os atores.