A reforma trabalhista, feita a toque de caixa no Brasil com o objetivo de permitir às empresas a máxima flexibilidade, pode não dar os resultados esperados. É o que adverte o sociólogo Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese –Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômico, em entrevista ao TUTAMÉIA (confira a íntegra no vídeo acima).

“Implantar tudo o que foi feito pode gerar uma enorme insegurança no interior das empresas. O pressuposto de que os trabalhadores irão aceitar passivamente essa precarização é um pressuposto que tem muita gente começando a repensar”, diz ele, alertando:

“Não se faz uma regressão dessas, na velocidade e intensidade que está sendo feita, sem nenhuma repercussão social. Os conflitos podem aumentar, as tensões internas podem aumentar, o desgaste interno, queda de produtividade… Muitas empresas já observaram, por exemplo, que há queda de produtividade com a terceirização.”

A terceirização e a reforma trabalhista, avalia ele, fazem parte de um grande movimento que busca gerar a máxima flexibilidade para uma readaptação na estrutura produtiva para transformações. O problema é “que ninguém sabe exatamente para onde está indo” esse processo.

A lógica do sistema produtivo está sendo modificada para se adaptar à financeirização –”a riqueza financeira, articulada e gerida pelos grandes fundos dos grandes bancos, passa a comprar de forma acelerada a propriedade das empresas. Esses fundos passam a prometer para os investidores retorno alto e rápido. Isso altera toda a lógica do sistema produtivo”.

Um capitalista clássico, diz o sociólogo, investia três quartos do seu lucro na ampliação da capacidade produtiva de sua empresa, e um quarto ele retirava para si. O novo sistema, capitaneado pela elite financeira, retira três quartos do lucro da empresa para distribuir para os acionistas, e um quarto é reinvestido.

O resultado é que “a taxa de investimento privado despenca. Há vinte anos o mundo não cresce”.

Nessas condições, o trabalha vai cada vez mais perdendo importância. Por isso, a precarização das condições de contrato, o descaso com a segurança e as condições de vida do trabalhador.

No mundo todo, cita Lúcio, 110 países fizeram reformas trabalhistas no período de 2008 a 2014.  O Brasil, desde o golpe, realizou a sua: “A diferença é que o Brasil fez uma brutal reforma trabalhista em um tempo recorde. Implantou a terceirização e em seguida faz a reforma trabalhista, que pega todo o outro conjunto de regras e transforma toda a relação de trabalho em uma relação altamente flexibilizada”.

A reforma permite às empresas flexibilizar formas de contrato, jornada de trabalho, salário e a composição de direitos. Elas passam a ter menor resistência por parte do Judiciário ao mesmo tempo em que é quebrada a coluna vertebral dos sindicatos.

Ou seja, no dizer de Clemente Lúcio, “as empresas podem demitir na hora em que quiserem, do jeito que quiserem, sem acumular passivo trabalhista e reestruturando as formas de contrato”.  A força de trabalho precarizada é legalizada, e a força de trabalho que ainda tem relações formais com a empresa fica em situação pior: trabalho intermitente, jornada parcial e outras formas.

O problema é que, com golpe, como feito aqui no Brasil, ou sem golpe, como feito na Argentina, o receituário neoliberal não está dando certo.

“A Argentina está no meio de uma enorme crise econômica”, lembra Lúcio, completando com o caso brasileiro:

“Aqui, diziam que era só tirar a Dilma que a economia iria melhorar, era só um problema de confiança. Vejam o que aconteceu: a economia está saindo da crise com uma velocidade de um terço da que tinha no passado”. E desafia os defensores desse projeto: “É isso que vocês estão entregando? É essa a dinâmica?”

RIQUEZA RÁPIDA NÃO PARA EM PÉ

A desestruturação do mercado de trabalho, diz Lúcio, não tem apenas como consequência eventuais lucros maiores para as empresas, no curto prazo. “Ocorre perda de emprego e de renda”, o que faz com que a economia do país como um todo sofra: “No Brasil, dois terços de nossa dinâmica é dado pelo mercado interno de consumo, que é [construído a partir do] o emprego e o salário das famílias. Se você precariza o emprego, reduz a renda, e não tem força no mercado interno, como é que vai sustentar o crescimento?”

A resposta dos defensores dessa política, diz Lúcio, é que a saída é a exportação. O que também não está funcionando, detona. E recomenda: “Nós somos uma das maiores economias deste planeta. Olhe para os outros países do nosso tamanho, veja se alguém tem uma estratégia como a nossa. Não. Todos eles fortalecem o seu mercado interno. Quem não fortaleceu já está tendo problemas”.

Trata-se, reafirma ele, de um problema de fundo de todo o processo de reestruturação da economia:

“A lógica de o setor financeiro dominar a estrutura produtiva é incoerente com um projeto de desenvolvimento produtivo. A máxima rentabilidade, onde o dinheiro é a riqueza, está desconectada da realidade de um capitalista clássico de estruturar uma produção em que a riqueza dele aumenta na proporção em que ele é capaz de compartilhar com a sociedade parte daquela riqueza, para que ela gere o consumo pelo seu produto. A lógica do setor financeiro é a da acumulação, da riqueza rápida, da riqueza sem esforço. Isso é uma coisa que não para em pé, no longo prazo.”

Para se sustentar, no tempo do agora, do imediato, usa da força, tenta implantar regimes de mais controle: “Os regimes autoritários são hoje numa solução desejável por quem controla, por quem tem poder. Os regimes autoritários são mais “limpos” do que as democracias, que implicam fazer composições, negociações e disputas”.

Por isso mesmo, para os trabalhadores, para os sindicatos, “a prioridade política máxima é a sustentação da democracia. Porque a única hipótese que nós temos para fazer a disputa distributiva, que é a questão central, é apostar que isso tem de ser delegado pelas sociedades em processo democrático”.