VISÃO DA CIDADE DE SÃO PAULO AMANHECENDO

SOBRE O CEMITÉRIO DA CONSOLAÇÃO

Carlos Marighella

Ah! São Paulo Gigante!

Monstro -cidade amanhecendo,

Estruturas inacabadas,

Esqueletos, edifícios imensos, erguidos

Desengonçados

Como braços clamando.

Enormes caixas descomunais

Recobertas de lençóis brancos da névoa da manhã

–fantasmas espiando este cemitério

Esta quadra estendida

entre casa e ruas que já despontam para o trabalho,

criptas, mausoléus, monumentos

e cruzes,

cedros e ciprestes,

espectros, sombras, paisagem funérea

–o cemitério que eu vejo de cima deste apartamento

na fria manhã da Paulicéia.

Túmulos sem fim,

alinhados em quadra,

a visão impressionante

do branco das tumbas

em contraste com o verde dos cedros e ciprestes.

Sepulcros recobertos de geada,

a visão espantosa de um cerco hediondo

de gorilas,

aos milhares,

os braços em torno da morada dos mortos,

gorilas raivosos na sua nudez,

almas penas espantando a metrópole-proletária,

trogloditas tentando parar o progresso…