Aos 78 anos, a maior tenista brasileira da história participou na última quarta-feira (21) de  partidas com pessoas com deficiência. A “clínica inclusiva” foi um evento paralelo ao torneio Rio Open, e teve a participação de 19 atletas com diversos tipos de deficiência, como cadeirantes e jovens com síndrome de Down.

Maria Esther Bueno bateu bola (Fotos Públicas/©Fotojump) com o cadeirante Caio Gonçalves, de 18 anos, que foi o nono do mundo em sua categoria no ano passado.

“Foi fantástico, muito legal ver o esforço deles, o astral, a dedicação, são um exemplo para todos nós”, disse a veterana tenista, segundo material distribuído pela assessoria do evento.

Cá no TUTAMÉIA, aproveito para recuperar uma entrevista que fiz com ela há quinze anos, para uma série especial dedicada aos brasileiros que conquistaram medalha de ouro no Pan de 1963, o primeiro realizado no Brasil. A série foi publicada originalmente na então Folha Online, o braço internético da “Folha de S. Paulo”

Sem mais delongas, vai aqui o texto completo, incluindo a breve apresentação de minha conversa com Estherzinha, que foi ídolo da minha geração, era a brasileira que nós, gurizotes ainda, víamos brilhar pelo mundo afora.

CACHORRINHO LADRÃO DE MEDALHAS

A mordida de um cachorrinho, que rasgou um dos dedos da mão direita de MARIA ESTHER BUENO, talvez tenha contribuído para que Estherzinha saísse do Pan de São Paulo com apenas um ouro –ela ganhou também prata nas duplas femininas e nas duplas mistas. Mas não faltam títulos a essa paulistana nascida a 11 de outubro de 1939, a mais importante tenista brasileira da história.

Quando chegou ao Pan de 1963, já tinha sido bicampeã em Wimbledon e também conquistara dois campeonatos mundiais –na carreira, contabiliza 589 títulos.

De Londres, onde foi homenageada em Wimbledon neste ano (2003), MARIA ESTHER BUENO respondeu por fax a um questionário que mandei a ela. Comenta sua carreira e lamenta o tênis praticado hoje: “Com raras exceções, é pura força física, sem grandes emoções”.

RODOLFO LUCENA – Quando, onde e por que a senhora começou a jogar tênis?

MARIA ESTHER BUENO – Comecei a jogar aproximadamente aos três anos de idade, em São Paulo, no Clube de Regatas Tietê. Meus pais jogavam tênis e eu e meu irmão Pedro Bueno crescemos jogando tênis juntos. Não existe um por quê, simplesmente aconteceu, era uma coisa natural para mim jogar tênis.

RODOLFO LUCENA – Qual foi sua primeira medalha e como foi a conquista?

MARIA ESTHER BUENO – Deve ter sido na categoria infantil. Não me lembro bem. Sempre participei de muitos torneios interclasses, estaduais e brasileiros desde os dez anos. Aos 14 anos, venci o torneio brasileiro infantil em julho e em setembro conquistei o Campeonato Brasileiro de Adultos, tudo em 1954.

RODOLFO LUCENA –  Antes do Pan de 63, a senhora já tinha importantes conquistas internacionais. Houve alguma disputa classificatória para o Pan?

MARIA ESTHER BUENO – Com todos os títulos importantes, incluindo alguns mundiais, não existia a menor possibilidade de haver outra escolha. Estava jogando em vários circuitos internacionais nesse período e permanecia sempre no topo do ranking mundial.

RODOLFO LUCENA – Quais são suas principais recordações do Pan de 1963, em São Paulo? Como foi a disputa em que a senhora conquistou o ouro?

MARIA ESTHER BUENO – A principal recordação foi de um acontecimento um dia antes do início dos Jogos. Eu tinha ganhado um filhote de cachorro e estávamos brincando quando acidentalmente ele mordeu minha mão direita e rasgou bastante a parte interna de um dos dedos. Foi preciso fazer vários pontos e visitas diárias ao hospital durante o torneio para que eu pudesse jogar (com muita dificuldade para segurar a raquete) a semana toda.

Os jogos foram todos relativamente fáceis e na final venci uma ex-campeã de Roland Garros, uma das melhores jogadoras mexicanas e grande especialista em quadras de saibro, Yolanda Ramirez, por 6/3 e 6/3.

RODOLFO LUCENA – Qual a importância do ouro do Pan para sua carreira?

MARIA ESTHER BUENO – Foi muito importante ter tido a oportunidade de jogar e ganhar

em São Paulo, minha cidade, um torneio de prestígio como o Pan-Americano. Todos os meus maiores resultados tinham sido fora do Brasil, onde são jogados os principais e mais importante torneios do mundo.

Foi uma boa chance de o público poder acompanhar mais de perto minhas performances.

RODOLFO LUCENA – Além do ouro em simples, a senhora conquistou prata em dupla feminina e em dupla mista no Pan de 63. Comente esses resultados.

MARIA ESTHER BUENO – Resultados normais, considerando as circunstâncias (ferimento na mão, vários jogos etc.)!

RODOLFO LUCENA — Como seguiu sua carreira depois? Até quando a senhora competiu profissionalmente? Qual foi sua última conquista?

MARIA ESTHER BUENO – Minha carreira seguiu normalmente. Continuei jogando praticamente todas as semanas durante o ano todo (simples, duplas e duplas mistas) e quase sempre chegando nas três finais (21 jogos por semana).

O tênis só começou a ser “profissional” em 1968. Joguei até 1967, quando tive que parar e fiquei por muitos anos sem jogar devido a uma séria lesão no braço direito.

Voltei em 1974 para algumas tentativas em certos torneios. Consegui vencer o Aberto do Japão e, em 1976, chegar às oitavas-de-final em Wimbledon, mesmo sabendo que, devido à seriedade da contusão (braço e cotovelo), não teria a menor possibilidade de sequer recuperar 50% das condições de que precisaria para poder voltar a disputar dentro das minhas reais condições.

RODOLFO LUCENA – Depois que abandonou a carreira competitiva, a senhora continuou jogando tênis? Como segue essa carreira “amadora”? A senhora ainda joga tênis hoje em dia? Qual é sua atividade profissional atualmente?

MARIA ESTHER BUENO – Continuei e continuo jogando tênis até hoje. Tenho conseguido manter um excelente nível, mas logicamente não disputando nenhuma competição. Como sou sempre convidada especial de muitos torneios pelo mundo, incluindo os Grand Slams, tenho sempre a chance de jogar com tenistas.

RODOLFO LUCENA – Como a senhora compara o tênis praticado hoje ao de sua época de ouro?

MARIA ESTHER BUENO – O tênis atualmente, com raras exceções, é pura força física, sem grandes emoções. Praticamente, deixou de ser arte para ser repetição. Tudo depende de quem bate mais forte por mais tempo.

Não se vê mais nenhuma estratégia ou mudança de planos. Um jogador que atualmente se destaca como um grande talento é Roger Federer, que tem completo domínio do jogo de fundo e de rede e incrível facilidade em todos os golpes. Tem Peter Sampras –são poucos os tenistas que sacam e voleiam, deixando os jogos muitos monótonos de fundo de quadra em todas as superfícies.

RODOLFO LUCENA – Qual a importância do tênis na sua vida?

MARIA ESTHER BUENO – O tênis sempre foi minha principal atividade, portanto foi através desse esporte que tive as minhas maiores chances na vida. Consegui conhecer o mundo, viajar por lugares incríveis, fazer sólidas amizades, entrar em contato com as personalidades mais célebres nos seus respectivos campos e sobretudo conseguir meu lugar na história. Fiz o Brasil ser conhecido e respeitado.

Tenho mais ou menos 589 títulos colecionados desde talvez os nove anos de idade. Torneios, pequenos, grandes etc., mas onde tudo conta! Prêmios em diversas categorias, títulos de honra, condecorações.

De qualquer maneira, ter sido escolhida a melhor atleta do ano do mundo (todas as categorias de esporte) em 1959 pela Associated Press, melhor tenista (homem ou mulher) da América Latina do Século 20 e, agora em Wimbledon (2003), ter recebido o troféu Sean Borotra Sportsmanship Award por excelente conduta e serviços prestados ao esporte em geral durante minha vida (escolha feita por todos os International Clubs do mundo) pode dar uma ideia da importância do tênis em minha vida.