Ele conversou com Getúlio Vargas, foi amigo de Jango, teve debates com Lula. Aos 93 anos, o líder ferroviário e militante das causas do povo RAPHAEL MARTINELLI segue na ativa, discutindo os rumos do país e participando de manifestações em defesa da democracia e da soberania nacional.

No último 9 de Julho, Dia da Luta Operária, encontramos com ele em uma homenagem aos trabalhadores que, em 1917, realizaram a primeira greve geral em São Paulo. Também se celebrava ali a trajetória de luta de outro histórico batalhador das causas populares, José Luiz Del Roio.

De microfone na mão, Martinelli cumprimentou o companheiro –os dois participaram, com Marighella, da fundação da Ação Libertadora Nacional—e, logo em seguida, partiu para severas críticas ao movimento sindical e popular de hoje que, no entender dele, não reagiu de forma adequada ao golpe que derrubou a presidenta Dilma e hoje mantém preso o presidente Lula.

Ali mesmo marcamos a entrevista que acabou por ser, ela mesma, exemplo do denodo e da intensidade de Martinelli: foi realizada na semana passada, dois dias antes de ele ser hospitalizado para se submeter a uma cirurgia.

Alguma preocupação ele tinha, por certo, mas não deixou que isso esfumaçasse suas memórias. Ao longo de quase duas horas e meia, fez um testemunho vibrante, emocionante, de algumas das grandes jornadas do movimento sindical e da resistência democrática no Brasil.

Fala de cadeira: nascido em 1924, começou a trabalhar na adolescência, quando também ingressa na militância sindical e política. Construiu sua vida de trabalho entre os ferroviários: entrou, em 1941, na São Paulo Railway, no cargo de “aprendiz escriturário de quinta categoria”.

Logo se incorporou às lutas sindicais e às fileiras do Partido Comunista Brasileiro. Participou da criação do jornal do sindicato “O Trilho” –na entrevista, ele conta as razões que levaram à escolha desse nome.

Fala também de sua admiração por Getúlio Vargas, do período de agitação e esperança que antecedeu o golpe de 1964, e de sua profunda, amarga, dolorosa decepção com a falta de reação à intentona que derrubou Jango.

Na entrevista, conta como conseguiu escapar do bombardeio que atingiu o prédio onde se reunia o Comando Geral dos Trabalhadores, e como chegou a tentar mobilizar sua categoria –“Eu comandava 50 mil ferroviários”.

Tornou-se, por isso, crítico dos caminhos ordenados pelo PCB, e acabou saindo do partido. Com Marighella, Joaquim Câmara Ferreira, o já citado Del Roio e outros funda a ALN.

Lembra, na entrevista, algumas das iniciativas de enfrentamento e resistência à ditadura. Conta, por exemplo, como usou sua experiência de ferroviário para ajudar na organização do assalto ao trem pagador, uma das ações de maior sucesso do grupo de Marighella.

Ao lado dos atos heroicos e das emocionantes mobilizações sindicais, fala também, na conversa com TUTAMÉIA, do duro período vivido na prisão, das torturas na Operação Bandeirantes e no DOPS.

De vez em quando, mescla relatos das lides políticas com histórias de sua outra paixão, o futebol. Garoto, jogou pelos times operários que atuavam na várzea em São Paulo, mas não só: lembra com orgulho de participar em jornadas no Pacaembu, disputando partidas preliminares –as que antecediam os jogos entre os clubes profissionais.

Sua experiência futebolística fez que com que fosse convocado por Jango para dirigir o time de sindicalistas que participou de jogos de confraternização no Chile –mais histórias contadas com colorido único por Martinelli.

Vibrante na conversa, demonstra orgulho de suas origens –não só da família trabalhadora e militante, mas do território em que nasceu, a Lapa paulistana, de onde também trouxe memórias que compartilha na entrevista, que você acompanha na íntegra no vídeo no alto desta página.