O Brasil pode viver uma situação como a que levou a Espanha à guerra civil nos anos 1930. Naquele momento, no país europeu, “havia uma esquerda que não aceitava negociar e uma direita [comandada por Francisco Franco], que também não queria o diálogo. Se não é possível negociar, tem que ir para o pau”.

A comparação e o alerta são do economista Pedro Cézar Dutra Fonseca, 63, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em entrevista para TUTAMÉIA, em Porto Alegre, ele defende que a melhor saída para a dramática situação brasileira para pela negociação e discussão de um projeto nacional.

“Um projeto supõe negociação. Projeto é a saída civilizada, negociada. Negociada não é de negociata. Negociada no sentido de se chamar certos setores que estão dispostos a uma saída com democracia, civilizada. Se não houver a saída civilizada, vai ser muito pior, porque vai ser para o enfrentamento. Desse ponto de vista a minha ideia é até moderada. Antes que tenha um enfrentamento, uma coisa radical, é melhor haver uma negociação, antes que a sociedade se estraçalhe e que o país perca a sua identidade”.

Na avaliação de Fonseca, o maior entrave para essa saída negociada está nas elites do país. “O que eu vejo no Brasil é que a elite detesta o povo. Tem preconceito de cor, de raça, de nível de renda, do avião, do cheiro, a elite não se identifica com o povo. Acha que o povo é não-trabalhador, aproveitador, malandro, preguiçoso. Isso é uma coisa muito séria. Porque como é que tu vais fazer um projeto nacional se tu tens uma elite que não se identifica com isso. Quem é mais contra são setores da classe média”.

O professor, que foi vice-reitor da UFRGS, lembra que Lula fez a negociação, “arquitetou um pacto de coalizão”. Agora, ele afirma que há possibilidade de ruptura. “Há possibilidade de ir para um enfrentamento, mas esse enfrentamento pode não ser uma vitória em si da esquerda. Há uma forte possibilidade que isso aqui vá para uma forma fascista ou proto-fascista”.

Fonseca continua: “Na Europa chamam de populismo, mas não é populismo”. Na sua visão, é mais provável é que o processo rumo ao autoritarismo seja via eleitoral mesmo, com Jair Bolsonaro, por exemplo. “Não precisa ser com as forças armadas; pode ser com um civil que constitua base suficiente para fazer isso”.

Ele identifica vários sinais de regressão na sociedade brasileira. Lembra que a classe média estava descontente, mas não pela corrupção, como foi alardeado, mas com os governos do PT. “Fica claro: se batia panela contra a corrupção, mas o atual governo tem várias implicações de corrupção que não repercutem da mesma forma”.

Fonseca, que atuou no passado no PSDB, diz que nunca tinha visto pessoas pedindo publicamente por um golpe militar. “Uma coisa é falar, outra é escrever numa rede social ou anonimamente. Outra coisa é pegar a bandeira e ir para a rua mostrando a tua cara _é um passo maior. É uma coisa complicada esse tipo de radicalismo, que acaba tendo consequências na política”. Daí o temos de que a situação possa ser comparada à Espanha dos anos 1930.

Autor de “Vargas: O Capitalismo em Construção, 1906-1954”, Fonseca é um dos maiores analistas da história do desenvolvimentismo no Brasil e no mundo. Na sua opinião, Michel Temer está destruindo não só o estado varguista, mas todo o desenvolvimentismo que começou com Getúlio Vargas e continuou no governo militar, pelo menos até a gestão de Ernesto Geisel _ para ele, o último governo claramente desenvolvimentista do país.

Nesta entrevista, o professor trata dos interesses estrangeiros no Pré-Sal e avalia os passos desenvolvimentistas na história do país. Defende a discussão de um projeto nacional e alerta para o esvaziamento do centro na política.