Apresentar com clareza as ideias, lições e comandos da economista Maria da Conceição Tavares é talvez uma das maiores qualidades do documentário “Livre Pensar”, de José Mariani, que conversou com TUTAMÉIA sobre o filme (assista no vídeo acima a íntegra da entrevista).

Com previsão de chegada ao circuito comercial no ano que vem, o trabalho já está participando do chamado circuito universitário, sendo apresentado em festivais, reuniões e, claro, em escolas –no dia em que conversamos com Mariani, por exemplo, seria mostrado na Casa do Saber, em São Paulo (confira AQUI outros agendamentos).

A cinebiografia é conduzida pela própria Conceição, em um tecido cinematográfico construído por Mariani a partir de entrevistas e palestras gravadas –as falas de outros personagens (filhos, amigos, ex-alunos, analistas) pontuam a trilha comandada pela economista.

“A força da retórica dela é muito impactante”, diz Mariani, acrescentando:

“Cinebiografia tem especificidades próprias. No cinema, você dá a palavra para a própria pessoa que é objeto da cinebiografia. Eu fiz questão de tentar construir esse filme de forma que ela conduzisse essa narrativa, essa linha de tempo, o filme inteiro.”

Assim, em pílulas de imagens, Conceição desfila seu pensamento –sobre a economia e sobre os economistas, sobre o capitalismo, sobre o Brasil, acima de tudo. Fala sobre a infância e juventude em Portugal e sobre como aprendeu a entender novo país, onde desembarcou em 1954, fugindo da ditadura de Salazar.

Com o vigor que lhe é peculiar, desmonta falácias do economês: “Uma economia que diz que precisa estabilizar, para depois crescer para depois distribuir é uma falácia, é uma economia que condena os povos a uma brutal desigualdade de concentração de renda e de riqueza.  Isto é coisa de tecnocrata alucinado, que acha que está tudo O.K e não está tudo O.K.”

O filme começou a ser gerado há mais de dez anos. Em 2004, quando trabalhava na construção da cinebiografia de Celso Furtado, Mariani gravou uma série de palestras em um congresso internacional realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. O material ficou na prateleira.

“Pretendia usar no filme do Celso, não usei, mas aproveita agora, em “Livre Pensar”. Fiquei muito impactado com esse material. Ela fala da globalização com muita lucidez, com aquela energia dela característica.”

Ao longo dos anos, teve outros encontros com Tavares, como no depoimento dela efetivamente usado na biografia de Furtado. O contato lhe valeu fotogramas superexclusivos, agora mostrados no filme:

“Em 2010, ela fez 80 anos. Fez uma grande festa na casa de um português, em frente à casa dela, e convidou dois ex-alunos, então candidatos a presidente da República naquele ano, a Dilma Rousseff e o José Serra. Ela não permitiu à imprensa entrar, mas me autorizou a filmar. Eu filmei esse material, está no filme de hoje.”

Atualizando tudo, Mariani ainda ouviu a economista em 2016, quando já estava nos finalmentes de sua produção. Assim, diz, “o filme tem vários períodos da fala dela, que não tem contraste, o pensamento dela é muito coerente todo esse tempo”.

Para além dos ensinamentos econômicos, Maria da Conceição Tavares nos dá em “Livre Pensar” uma lição de vida, de militância pela democracia, pela igualdade. E, falando sobre si mesma, convoca a todos para essa jornada:

“Não sou sábia, sou apenas como vocês, apenas mais velha, uma militante que não parará até a hora de morrer. Marchem até morrer. ”