“Estamos vivendo uma situação de caos. A situação do Brasil está preocupante. Mas começou a haver um pouco de reação”, avalia Margarida Genevois, uma das pioneiras da luta pelos direitos humanos no Brasil.

Aos 94 anos, Margarida está ativa na trilha que escolheu. Foi uma das líderes, no ano passado, do grupo que colocou de pé a quarta edição do Tribunal Tiradentes Pela Democracia no Brasil, projeto de cunho pedagógico que analisou “as práticas nocivas e danosas do Congresso Brasileiro”.

É uma das signatárias do manifesto do Projeto Brasil Nação, que aponta caminhos para o desenvolvimento democrático e soberano no país, e tem participado ao vivo de manifestações democráticas contra o golpismo.

De nome completo Margarida Bulhões Pedreira Genevois, a carioca é formada em Biblioteconomia e em Enfermagem de Guerra pela Universidade Nacional, no Rio de Janeiro. Fez na Sorbonne, em Paris, o curso superior em Literatura, Arte e História Contemporânea; em São Paulo, se formou em Ciências Sociais na mesma época em que suas filhas faziam a faculdade.

Começou a entrar para a história brasileira em plena ditadura militar, quando foi convocada pelo cardeal Dom Paulo Evaristo Arns para participar do Comissão de Justiça e Paz. Foi quando desabrochou para a militância na defesa dos direitos humanos e da democracia, escandalizando suas amigas da alta sociedade –Margarida era fazendeira, casada com um diretor da subsidiária brasileira da multinacional francesa Rhodia.

Em dezembro passado, Margarida visitou os estúdios de TUTAMÉIA para uma conversa sobre seu trabalho, seus projetos e a situação do Brasil (confira no alto o vídeo de nosso “Papo na Cozinha”).

Falou de sua indignação com os políticos que atacam os direitos humanos ou menosprezam a necessidade de ações de inserção social: “Eles falam como se fosse uma coisa ruim, quando é essencial”.

Lembrou de sua iniciação na Comissão de Justiça e Paz, onde durante muito tempo foi a única mulher: “Quando entrei, não sabia o que estava se passando no Brasil. Descobri um mundo de que eu não tinha ideia. A tortura. Era outro mundo”.

Isso chocou a mulher que era, mas não a impediu de agir: “Sou uma pessoa de classe média, burguesa, e posso colocar isso a serviço dos outros, a serviço dos mais pobres”.

Ao final da ditadura, seguiu firme na militância, participando da fundação, em 1985, da Comissão Teotônio Vilela de Direitos Humanos, atuando entre presos e encarcerados.

“Devia ser obrigatório a todo estudante de direito, a todos os estudantes, visitar pelo menos uma vez um cárcere. Naquilo falta tudo”, disse ela a TUTAMÉIA, descrevendo a primeira vez em que visitou uma cadeia.

“É um negócio tão deprimente. As pessoas empilhadas… O banheiro é um buraco, as camas de cimento, colchonetes imundos, um cheiro que se entranha pelas narinas. É um ambiente dantesco.”

Enfim, diz: “Trabalhar com direitos humanos não é para se sentir bem. Pode dar satisfações morais, mas não é fácil”.

No trabalho que desenvolveu durante a ditadura, lhe foi decisivo o apoio de Dom Paulo, a quem lembra com carinho e admiração: “Era uma pessoa especial”.

Tão especial quanto a generosa, carinhosa e guerreira Margarida que, aos 94 anos, olha para o Brasil, vê o que considera um “caos”, mas não esmorece. Aconselha e conclama: “A depressão não contribui. A gente sempre tem de olhar o futuro com esperança. A gente precisa reagir”.