“O país está muito tensionado. Foi se introduzindo aqui um ódio, uma violência. O país precisa encontrar uma forma de consenso para retomar uma senda, um caminho do desenvolvimento nacional, da soberania, da diminuição das desigualdades; não um desenvolvimento só para uma classe. Precisamos procurar isso na democracia e evitar os riscos do autoritarismo. Faço um chamamento à resistência, à luta. Não acredito em mudança sem luta social”.
É o que afirma José Dirceu em entrevista ao TUTAMÉIA (acompanhe no vídeo acima). Ex-ministro de Lula, líder estudantil, militante da luta armada e da redemocratização, ele está lançando “Zé Dirceu, Memórias, Volume I”. O livro, editado pela Geração, trata de sua trajetória política, da passagem pelo governo, da cassação no Congresso e dos processos em que foi condenado. “Sou um sobrevivente e vivi muitas fases, muitas lutas, muitas experiências”, diz.
Na conversa, Dirceu, 72, avalia o quadro político e declara: “Sou otimista porque a força do Lula como liderança e a base eleitoral e social que o PT reconquistou me dão esperança. Utopia é esperança. A minha utopia é que o Brasil reencontre o seu caminho. Porque o fio da história do Brasil é outro, não é o desse governo”. E segue:
“O Brasil é o que é hoje por causa do fio da história nacionalista, desenvolvimentista, com a ação do Estado. O mercado gosta do Estado como agência de seguro. O Obama deu o PIB brasileiro para salvar os bancos. Aí pode. Tem que cortar da saúde, da educação, ter teto de gastos, cortar da Previdência. E nada de cortar dos de cima! Eles não vão contribuir com nada? Eles querem que o país aceite isso? Não, não é possível. Vamos chegar num outro ponto; nesse ponto não vai ter acordo”.
Dirceu classifica o atual governo como um “desastre em todos os sentidos para o país”. Primeiro, diz, “apequenou o Brasil no mundo, alinhando-o à política do Departamento de Estado dos EUA”. Além disso, há o ”desmonte das conquistas sociais. A reforma trabalhista vai ter consequências gravíssimas; vai ter luta sindical e popular grande”.


SOCIEDADE VAI SANGRAR
Segundo Dirceu, o protesto dos caminhoneiros foi só um exemplo. “Querem o trabalhador trabalhar um terço a mais e ganhar um terço a menos. Não reduziram os juros, não resolveram problemas de infraestrutura, o tributário. O país vai explodir. Já está explodindo na violência”.
Para ele, o balanço do governo Temer é muito ruim, “pois colocou o pai em risco de tensionamento”. E afirma que, se a resistência ao golpe tivesse sido maior. “Eles iriam dar [o golpe] pela força. É que nós não resistimos”.
Nesse quadro, como será o governo numa eventual vitória do PT? Vai ser possível governar? Dirceu responde: “Governar vai ser uma luta. Não vai ser matar um leão por dia. Vai ser uma guerra. A direita e a centro-direita já mostram que não aceitam uma vitória do PT. Não sei se aceitarão essa. Se perdermos, vamos para a oposição democrática. Nossa prioridade é frente de massas, a organização popular. A sociedade brasileira, infelizmente, vai sangrar. As contradições são muito profundas e eles querem impor à sociedade brasileira um modelo econômico que ela não vai aceitar”.
TINHAM VERGONHA DE CHEGAR PERTO DE MIM
Dirceu concorda com a avaliação de que o PT se burocratizou no poder, o que dificultou a mobilização contra o impeachment e em defesa da democracia. Mas ressalta a “base extraordinária de militante”. Na sua avaliação, “foi essa base que resistiu ao golpe”. E emenda: “Quase que nós levamos o golpe sem resistência e somos humilhados. Nós fomos cuspidos, espancados, nossa bandeira foi rasgada. Fomos expulsos das ruas. E nós retomamos agora. Houve um momento em que parecia que o PT tinha se esvaziado. O que está acontecendo hoje mostra que não só o PT tem uma base eleitoral e social sólida, como tem uma militância muito grande”.
Segundo ele, o partido cometeu erros o que levou ao afastamento de muitos. Hoje, há um retorno. “Voltaram indignados com o golpe e com a condenação e a perseguição a Lula. Indignados pelos caminhos do país. Está acontecendo uma tentativa, uma marcha acelerada para desmonte do pacto social de 1988”.
Ao TUTAMÉIA, Dirceu fala dos processos, das condenações e do fato de ter sido execrado e isolado até por seus pares:
“Ninguém se interessou em ler o processo. O partido não teve uma estratégia de defesa, nem uma avaliação do que era aquilo. Foi simplesmente o seguinte: nós não podemos ficar contra o combate à corrupção, ou então, ‘o problema Zé Dirceu é da Câmara. O Zé Dirceu não pode continuar criando esse problema para nós”.
Dirceu destaca o apoio que obteve da militância e avalia que o caso “foi muito usado para a luta interna no PT”, para liquidar o seu papel no PT. “Foi uma coisa triste, grotesca”. E relata:
“Houve um momento muito duro para mim. Eu fui a uma reunião na sede do PT e fiquei sentado num canto, como se eu nunca tivesse ido a uma reunião no PT. Fui tratado assim por uma parcela grande. Outros tinham vergonha ou medo de chegar perto de mim. Mas é que eu já vim de outras guerras, de outros combates. A minha vida já foi reconstruída do zero várias vezes, não foi só dessa vez. Eu tive também solidariedade e o apoio”.
O PT ERROU NA QUESTÃO DA MÍDIA
Perguntamos sobre um diálogo atribuído a ele, em que, no Planalto, ele teria dito que o PT não precisava construir a sua mídia, pois tinha o apoio da Globo. Dirceu nega essa versão. Fala de tentativas do governo de redistribuir verbas publicitárias, de projetos para o setor. “Os governos dependem de circunstâncias. Houve uma tentativa pessimamente encaminhada. Recuamos na hora errada. O PT errou na questão da mídia. O que estamos assistindo no Brasil é um misto de controle da informação que virou formação. Dão opinião sobre a notícia, sem contraditório, diversidade”. O monopólio ele passa a ser danosos para a sociedade, não para o PT, porque o PT se defende”.
Segundo ele, os erros aconteceram porque havia muitas frentes de problemas. “Era uma avalanche sobre nós. E deixamos os enfrentamentos de lado”. Hoje, ele defende uma “reforma nos meios de comunicação, que não pode ser entendida como censura ou controle”.
GOLPE NORTE-AMERICANO
Perguntamos a Dirceu porque seu livro praticamente ignora a ação estrangeira no golpe de 2016. Houve ação externa? Em alguma medida o golpe foi feito de acordo com interesses norte-americanos? É um golpe norte-americano?
“Foi e é”, responde ele. Fala, então do pré-sal, da Base de Alcântara. E de Forças Armadas: “O país precisa de Forças Armadas de novo tipo. Eu sinto as Forças Armadas escorregando para os norte-americanos, por Lava Jato e para essa coalizão de direita. Existe a questão da intervenção norte-americana, dos interesses estratégicos. O objetivo do golpe era alinhar o Brasil à política dos EUA”. E completa:
“Estou devendo uma análise do golpe. Temos que aprender com nossos erros e não repeti-los”.