Magnífico trabalho

por Aquiles Rique Reis, vocalista do MPB4

São vários os prazeres no ofício de comentar CDs e livros recém-lançados. O maior de todos, sem dúvida, é sacar quando se tem nas mãos um trabalho absolutamente encantador, não só pela qualidade musical, como também pelo formato em que a música ali se insere.
Caiu meu queixo quando vi o livro bilíngue Canon para Edison Machado (independente), em cuja capa, ao centro e na vertical, lia-se “Trio de baterias”; do lado esquerdo, três fotos a cores estampam os três malucos que criaram o trabalho; e na outra metade da capa, numa foto P&B, vestido a rigor, baquetas na mão, o maior maluco de todos, o lendário baterista Edison Machado (1934/1990), inventor do “samba no prato”.
(Ainda que alguns contestem tal paternidade, para mim, Edison Machado é e será sempre o inventor do jeito de tocar samba usando mais os pratos do que as peles da bateria).
Para homenageá-lo, o pianista, arranjador e compositor Jota Moraes compôs “Canon para Edison Machado” para um LP solo que o baterista Pascoal Meirelles gravou em 1983. De difícil execução, o “Canon” foi, digamos, limado do LP.
Os bateristas que, enfim, gravaram a versão original do tema são os catarinenses do Vale do Itajaí Rafael Alexandre (bateria três), Rodrigo Paiva (bateria dois) e o grande Pascoal Meirelles (bateria um).
Os dois primeiros, sabendo da existência da composição de Jota Moraes, procuraram-no, e também a Pascoal Meirelles, desafiando-os a gravar o tema. E ao registrá-lo, deram o pulo do gato: lançaram a obra num DVD que vem encartado no livro. Show!
Assim a “balbúrdia” começa com as três baterias usando cinco peças iguais, com afinações semelhantes. O resultado é um tema com mais de dez minutos de duração, pleno de polirritmias, levadas e andamentos diversos, compassos em branco, repetições e improvisos mil. Tudo muito bem escrito e documentado. Coisa de doido.
Que, num primeiro momento, pode até deixar o ouvinte atônito. Mas quando a “confusão” se constrói, os ouvidos passam a registrá-la como algo profundamente instigante. Por isso mesmo, o uso do canon (ou cânone) é, desde sempre, um recurso bastante usado em composições musicais.
Além do que, uma coisa é você ler sobre técnica e teoria em meio a partituras, fotos e discografias muito bem selecionadas. Outra, bem diferente, é ver e ouvir os caras tocando num estúdio, dispostos em “v”, com Pascoal no vértice, Rodrigo Paiva à esquerda e Rafael Alexandre à direita.
Aliás, dentre outras, uma das imagens mais incríveis do DVD é quando, após Pascoal improvisar num acelerado ritmo de samba, juntam-se a ele Rafael e Rodrigo para um uníssono soberbo. Outra é quando tocam o cânone (canon) inicial. A técnica e a emoção com que os três tocam é de encher olhos, ouvidos e mentes. Meu Deus do céu!
A capacidade criativa do músico brasileiro é formidável… Esta sentença torna-se ainda mais verdadeira diante de Canon para Edison Machado, tributo a um dos maiores bateristas do Brasil.

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Este texto marcou o início da colaboração de Aquiles Rique Reis com o redivivo “Jornal do Brasil”.