“Se tornou evidente para toda a comunidade internacional que Lula é um preso político que foi vítima de uma ilegalidade muito grande. Pensaram que iam destruir um mito, criaram um mito”.  É o diz o sociólogo Boaventura de Sousa Santos ao TUTAMÉIA (vídeo acima).

Professor de economia da Universidade de Coimbra (Portugal) e de direito na Universidade de Wisconsin-Madison (EUA), ele é ativo irradiador da campanha Lula Livre no exterior e planeja visitar o ex-presidente em Curitiba em sua próxima viagem ao Brasil. Coordenador científico do Observatório Permanente da Justiça, de Coimbra, ele afirma que “a fachada democrática judicial acaba por iludir muita gente”. Daí a necessidade de denunciar as “as ilegalidades processuais. É muito importante que o movimento Lula Livre não esmoreça”.

“Como podemos pensar no futuro da esquerda, quando nosso grande líder nos últimos 30, 40 anos está ali preso ilegalmente e nós consentimos nisso? É preciso que os movimentos mantenham a chama da resistência. Não podemos esquecer Lula na prisão, as forças conservadoras estão a contar com isso. Nós temos que dar visibilidade a essa ausência”, declara.  Ele relata que teve enorme repercussão no exterior a imagem do teólogo Leonardo Boff sentado do lado de fora da guarita da Polícia Federal em Curitiba (foto acima, do fotojornalista Eduardo Matysiak). O pedido de visita de Boff foi negado, assim como o do Nobel da Paz, Perez Esquivel.

Lula preso lidera as pesquisas eleitorais, enquanto a direita segue se engalfinhando, sem candidato além do ultradireitista Bolsonaro. Qual a razão desse quadro? Boaventura responde:

“A direita não quer eleições, não está preparada para as eleições. Se a direta não está se unido como costuma fazer, de duas uma: ou há uma grande crise de liderança na direita ou a direita sabe que provavelmente não vai haver eleições. A intervenção militar no Rio de Janeiro pode ser um balão de ensaio para intervenções mais amplas”.

LÓGICA NACIONALISTA SOOU ALARME EM WASHINGTON

E qual a razão de tanta impaciência em colocar Lula na prisão? Ao analisar esse ponto, Boaventura aponta para o quadro internacional. Diz que “o Imperialismo norte-americano tem urgência em intervir no continente já que a China passou a ser um parceiro comercial muito importante. Em alguns casos, o primeiro parceiro comercial [como é a situação do Brasil]”.

Segundo ele, “isso soou o alarme em Washington, que está a fazer uma política em todo o continente, por vias legais diplomáticas e por vias ilegais, de financiar protestos como vimos em 2013, com o MBL. Financiar para que desestabilizem as democracias e para que os governos rapidamente saiam de cena”.

Apesar de discordar de medidas tomadas por Dilma, Boaventura diz que a presidente “mantinha uma certa lógica nacionalista”. Por isso, “era preciso liquidá-la”.  Na sua visão, “a impaciência foi induzida de fora e também de dentro: “as elites brasileiras só se conciliam com a democracia enquanto podem se servir dela.  Não estão para servir a democracia”.

O sociólogo vê grande interdependência entre o capital financeiro internacional e o nacional –“ um dos mais rentistas do mundo por causa das taxas de juros”. Na sua avaliação, nos últimos 15 anos na América Latina, “se criou uma ilusão de que os governos progressistas tinham uma autonomia grande em relação aos EUA. Em parte isso foi verdade”. Isso porque os Estados Unidos estavam “desprevenidos”, já que concentravam suas atenções no Oriente Médio.

Essa situação mudou, diz. “Começaram em 2009 com a intervenção em Honduras. Seguiram agora. Intervenção dos EUA não é teoria da conspiração nenhuma. Basta a gente tirar das notícias. FBI, Departamento de Justiça, com dois altos funcionários vieram a São Paulo, estiveram em reunião com grupo de magistrados e da Polícia Federal da Lava Jato para agilizarem a condenação do presidente Lula e a sua prisão”.

DITADURA DE CONTA-GOTAS E COLOMBIALIZAÇÃO

Para Boaventura, “a democracia brasileira passa por um período de muita perturbação”. Há segundo ele, “uma ditadura de outro tipo. É o esvaziamento progressivo da democracia através de uma ditadura de conta-gotas que não implica alterações constitucionais muito profundas, mas que vai minando as forças democratas e está a criminalizar a esquerda”.

Ele chama atenção para o aumento de assassinatos, especialmente no Pará, onde três líderes sociais foram mortos recentemente. “Há um processo de colombialização do Brasil. A Colômbia vive muita violência; em pleno processo de paz, líderes sociais estão sendo assassinados. O mesmo está a acontecer no Brasil. No Brasil. tal e qual na Colômbia, não são apenas os lideres sociais do campo [que estão sendo mortos], mas os políticos, como Marielle Franco  (foto ao lado) e outros. Essa é a situação que estamos a mostrar aqui na Europa. É uma ilusão muito grande do processo democrático e que está a descambar para uma ditadura de tipo novo”.

E acrescenta: “Se todos não nos unirmos em defesa da democracia, os democratas brasileiros ficam demasiado isolados para poderem resistir, não só contra essa avalanche conservadora que vem da direita, que está nesse momento no poder, mas de todo o apoio internacional dos EUA, que regressa ao continente de uma maneira brutal e violenta”.

UNIÃO E GERINGONÇA

Boaventura lançou há pouco no Brasil, pela Boitempo, o livro “Esquerdas do Mundo, Uni-vos”. Essa é a receita para o quadro atual?

“As classes dominantes estão unidas e as esquerdas estão fragmentadas, com muito sectarismo e dogmatismo. Uma unidade é preciso”. Ele considera que democracia e soberania são dois bons pontos de partida para um programa mínimo de convergência do campo progressista brasileiro.

Cita o exemplo exitoso de Portugal, governado por uma coalizão de esquerda apelidada de geringonça. Depois de anos de políticas neoliberais, o novo governo conseguiu parar com as privatizações e repor os rendimentos das classes mais baixas. “Fazendo o contrário das políticas neoliberais, estamos conseguindo o que eles nunca conseguem: desemprego a diminuir, investimentos a aumentar, imagem do pais a melhorar. Os títulos não são mais lixo. Aquilo que diziam que nunca podia ser feito está a ocorrer”.