A prisão do presidente Lula está tendo um papel muito forte de aglutinação de forças que antes estavam dispersas ou desmotivadas a ir às ruas. A formação de uma frente ampla é possível e talvez seja uma alternativa para o futuro do país. É o que avalia a historiadora Maria Aparecida de Aquino, em entrevista ao TUTAMÉIA.

“Sou otimista. Não confunda. Não pense que eu sou a tola, a boba alegre que ri de tudo e está achando tudo maravilhoso. Não é isso. Ser otimista é ser revolucionário. Não esqueçam disso. O pessimista é reacionário, sempre”, diz.
Aquino observa que existiam pessoas cansadas de protestar. A prisão do presidente Lula tem “esse papel aglutinador, que é muito forte. É muito mais forte do que pensar [a prisão] como uma derrota. Conseguiu aglutinar forças que não estavam anteriormente aglutinadas ou não estavam motivadas a voltar às ruas. Acho que vai ser um bastião que vai derrubar essa prisão esdrúxula e sem comprovação de irregularidade que ele tenha cometido”.

Professora de história contemporânea da USP, ela classifica o governo Temer como ilegal e ilegítimo. Diz que o impeachment da presidente Dilma Rousseff foi um golpe que rompeu com o Estado democrático de direito, com uma aparente legalidade.

“Tudo que vem após a queda da presidente Dilma entra no ilegal, no ilegítimo, no golpismo”, afirma. Especializada no estudo do período da ditadura militar, Aquino compara esse golpe com o que derrubou João Goulart, em 1964 –o “golpe clássico”. Nas suas palavras:

“Nunca pensei que eu iria por duas vezes na minha vida vivenciar um processo ditatorial. Esse [golpe] que estamos vivendo é muito mais grave porque tenta sempre ter a aura de legitimidade. Essa loucura da Lava Jato, essa maluquice da prisão em segunda instância mostram uma tentativa de ter um aparato legítimo”
Para ela, a prisão em segunda instância é um “estrupício” que viola a Constituição e não é aceita em outros lugares do mundo. Lembra que foi justamente em 1964 que se instaurou a prisão preventiva sem prazo. “É o que está acontecendo novamente. Vivemos num momento de ilegalidade tentando se travestir de legalidade. De legitimidade, que não tem. Esse governo é ilegítimo e ilegal”.

E continua: “Fico pensando que tudo o que foi feito [o golpe de 2016] foi feito para chegar nessa situação [prisão de Lula]”. Na sua análise, as forças conservadoras que deram o golpe –grandes capitais nacionais e internacionais– não têm interesse em um novo governo Lula. Por isso, derrubaram Dilma. E, se Lula for candidato, é imbatível –“mesmo falando da cadeia”, diz a historiadora.

“Ele é extremamente forte. Porque ele é uma liderança que nasceu do povo. Isso é muito raro. Não é uma beleza montada. É um homem que a população olha para ele e se enxerga. Essa liderança ultrapassa partidos. Todo mundo que seja progressista está aliado ao presidente Lula. É a pessoa que mais representa a população brasileira”, declara.

Ela avalia que a candidatura Lula é viável. “É tudo que as forças conservadoras não querem”. Lembra a frase ‘Delenda est Cartago’, Cartago precisa ser destruída, o objetivo romano de aniquilar os adversários, rejeitando tratados de paz:

“O que os romanos fizeram vale até hoje. O presidente Lula precisa ser destruído. Não pode ser candidato para essas forças golpistas e conservadoras”.
Aquino diz que as forças conservadoras –as mesmas que deram o golpe de 1964– não aceitam o avanço da inclusão social, “que o povo venha se sentar na sua mesa, que tenha o direito a ter uma universidade, possa estudar, procurar emprego numa situação melhor”.

Na sua visão, as forças progressistas devem “manter forte a aglutinação em torno do presidente Lula, lutar com todas as forças para que essa prisão seja revertida e, no STF, lutar pela rediscussão da ideia de prisão em segunda instância”.

Na entrevista ao TUTAMÉIA, Aquino falou ainda sobre o papel da mídia, a divisão nas Forças Armadas, a questão da soberania, as convergências entre Lula e Getúlio Vargas.