As medidas negociadas pelo governo golpista com os caminhoneiros são paliativas, de curto prazo e não resolvem os problemas de fundo do setor energético do país. Mais do que isso, abrem espaço para uma nova crise daqui a 60 dias, quando o país estará mais próximo das eleições, definindo oficialmente as candidaturas.

O alerta é do economista William Nozaki em entrevista ao TUTAMÉIA. Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, o cientista social pela USP integra o Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (INEEP).

Nozaki chama atenção para o prazo definido para a diminuição do diesel. Diz ele:

“Daqui a dois meses provavelmente vamos ter esse problema se explicitando novamente. E num momento político mais delicado porque mais próximo das eleições, caso elas aconteçam. Essa situação colocou um sinal amarelo sobre a possibilidade de suspensão do próprio calendário eleitoral. Pelo menos para a eleição direta presidencial”.

Na sua visão, “a definição de 60 dias não esteve ligada só a um cálculo econômico mas também a um cálculo político. Há tentativa do governo de deixar uma janela aberta para uma eventual crise, que possa significar uma reversão do quadro e uma eventual extensão dos mandatos legislativos atuais ou uma suspensão da eleição. Isso não está fora do horizonte. Quero crer que isso não vá acontecer. Mas, por prudência, devemos ficar em alerta permanente”.

Ele diz não se recordar de nenhum golpe que tenha durado apenas dois anos. Pede cuidado “para não sermos surpreendidos com um golpe dento do golpe”. Lembra que a manutenção dos reajustes para a gasolina e o gás manterá a pressão sobre famílias, trabalhadores e empresas.

ALIANÇA ENTRE RENTISMO INTERNACIONAL E LATIFÚNDIO NACIONAL

Perguntamos a Nozaki sobre os interesses envolvidos no desmonte da Petrobras, mais evidente agora com os movimentos grevistas –que expuseram as políticas da empresa em benefício de acionistas e investidores externos.

Nozaki aponta dois tipos de interesse. Em primeiro lugar está o do mercado financeiro internacional. Isso se expressa na política de preços (reajustes atrelados ao mercado externo), na antecipação de pagamento para acionistas estrangeiros, na negociação de passivos jurídicos sem que os processos tivessem se esgotado.

“Há uma proposta de encolhimento da empresa com o objetivo de maximizar as remunerações dos acionistas”, diz o economista. No entanto, a greve dos caminhoneiros –resposta social a essa política– resultou agora em grandes perdas para os acionistas. “Mesmo sob a lógica do mercado, esse tipo de gestão tem provocado problemas”, observa.

Há também um segundo tipo de interesse, menos evidente. “Esse aumento no preço do diesel, da gasolina, do gás tem provocado aumento pela procura de álcool. Há ganhos secundários do ponto de vista econômico, mas relevantes do ponto de vista político, que estão diretamente relacionados ao agronegócio produtor de cana e de etanol. Especificamente ao agronegócio paulista, onde essa atuação econômica está concentrada”.

Por isso, ele aponta uma “aliança entre o rentismo internacional e o latifúndio nacional”, fazendo o país parecer muito “com a economia brasileira no período pré 1930 e na virada do século 19 para o 20. A gestão da atual diretoria da Petrobras é parecida com a gestão da elite cafeeira do século 19”.

PETROBRAS NA CONTAMÃO DAS PETROLEIRAS

Nozaki fala ao TUTAMÉIA sobre a conjuntura internacional, que causa alta nos preços do petróleo. “O Brasil poderia estar aproveitando o cenário internacional. A Petrobras está nadando na contramão do que está acontecendo com os grandes países produtores de petróleo. A Petrobras se transformou numa empresa exportadora de óleo cru e importadora de derivados. Vende a commodity com baixo valor agregado e compra os insumos com mais alto valor”.

Assim, anota, cresce a importância das importadoras de combustível no mercado interno. O economista conta que, nos últimos dois anos, a lista de importadores cadastrados na Agência Nacional de Petróleo subiu de 80 para mais de 300. Segundo ele, essas empresas estão diretamente ligas às grandes petrolíferas internacionais, Shell, Chevron, BP.

“Na prática, o Brasil está vendendo óleo cru para as petrolíferas internacionais e comprando derivados a preços mais caros e colocando pais numa situação de tratar recurso natural estratégico como uma mera commodity. Nenhuma grande petrolífera do mundo na atual conjuntura tem usado esse tipo de estratégia empresarial. A Petrobras está na contramão de tudo o que se tem praticado no setor quando se observa as grandes petrolíferas internacionais”, declara.

IRRACIONALIDADE ECONOMICA E RACIONALIDADE POLÍTICA

Nozaki explica as razões pelas quais é importante para uma petroleira ter os vários elos da cadeia produtiva. Condena a política de desmonte da empresa, de venda de refinarias –que estão trabalhando abaixo de sua capacidade em razão da política de estímulo às importações. Segundo ele, trata-se de “irracionalidade econômica”. Na sua análise:

“Por trás dessa irracionalidade econômica há uma racionalidade política que é a de privilegiar os interesses do mercado financeiro internacional, do mercado de commodities e de uma fração do agronegócio que tem ganhos residuais com o aumento da demanda por álcool”.

PONTA DO ICEBERG DE DECISÕES ESTRATÉGICAS

Nesta entrevista ao TUTAMÉIA, Nozaki faz um histórico das decisões estratégicas da companhia. Lembra que desde que foi criada, no segundo governo de Getúlio Vargas, a Petrobras vinha perseguindo três diretrizes: soberania energética nacional, garantia da autossuficiência em petróleo e a garantia do abastecimento de combustível no mercado interno.

Quando Pedro Parente assume essas três diretrizes sofreram uma mudança. Passam a ser: 1. a garantia da remuneração dos acionistas, 2. a atração de capitais externos para o aumento da competitividade do setor e 3. tornar a Petrobras uma empresa que se circunscreve sua atuação na área de prospecção e exploração da produção, abrindo mão dos outros elos da cadeia produtiva.

GOLPE E FRACASSO

Esse redesenho da Petrobras, com seu desmonte e esquartejamento, está ligado aos objetivos do golpe de 2016. Nozaki aponta, aliás, que o golpe começou a ser gestado com a descoberta do pré-sal. A primeira evidência foi o furto de dados geológicos estratégicos da companhia sobre a enorme reserva brasileira.

Para ele, a estratégia adotada pela atual gestão da Petrobras é “fadada ao fracasso no médio e longo prazo para todos os atores envolvidos”. Nesse momento, ressalta, os próprios acionistas tão sofrendo revés. Além, é claro, dos enormes prejuízos para a população, as empresas e o país.

“A dinâmica curtoprazista tomou conta da lógica econômica e financeira de gestão da Petrobras e do país de forma tão intensa que o condomínio que ocupa o poder está preocupado em organizar os seus micro-interesses muitas vezes personalíssimos, em vez de pensar minimanente num projeto sustentável tanto do ponto de vista financeiro como produtivo”, declara.

Na entrevista, Nozaki avalia também a greve dos petroleiros. Para ele, o movimento está cobrando “uma solução definitiva, não paliativa, propondo estabilidade de médio e longo prazo”.