Pinky Wainer é boa de briga. “Rolezeira”, como ela própria se define, gosta de andar pelo centro de São Paulo, dar aula de artes, fazer cursos densos e cuidar dos filhos e netos. Aos 63 anos, ela é ativista na internet e tem a capacidade de sintetizar, polemizar, colocar o dedo na ferida.

Filha do lendário jornalista Samuel Wainer, o fundador do “Última Hora”, e da socialite Danuza Leão, Pinky é artista plástica. Foi entrevistadora de programas de TV, viu o Maio de 68 em Paris, virou hippie e morou em Arembepe, na Bahia.

“Você não pertencer a um pequeno grupo te dá uma liberdade muito grande. Mas eu tinha dentro de mim esse germe do meu pai de querer pertencer. Hoje em dia eu tenho um orgulho danado de não pertencer a nada. Mas eu queria”, diz ela no Papo da Cozinha do TUTAMÉIA.

Pinky fala do pai e da experiência do “Última Hora”, a publicação liderada por Samuel Wainer que revolucionou o jornalismo popular no Brasil nos anos 1950. “Ele inventou ou botou para funcionar a primeira imprensa popular. Imprensa popular não é imprensa sanguinolenta. As pessoas misturam, de sacanagem ou por ignorância”, avalia.

Faz paralelos entre o jornalista e Lula: ambos conviveram com a elite e depois foram descartados por ela. Ativa participando dos atos contra o golpe que derrubou a presidente Dilma Rousseff, Pinky lembra dos avanços do período petista:

“Foram treze anos de felicidade em volta de mim. Não para mim, mas em volta de mim. Um menino que trabalhava comigo quando eu tinha loja começou e agora está terminando a segunda faculdade”.

Crítica dos que foram omissos na defesa da legalidade, contra o impeachment, Pinky contesta grupos:

“A esquerda jovem não me agrada. Porque ela gosta de causas limpas. Ela gosta de ecologia, de Amazônia, de bichos. Você não vê essas pessoas andando nas ocupações do Centro, subindo para o Nordeste para ver as cisternas, todas essas coisas importantíssimas. É tudo causa Gisele Bündchen. Isso me deixa muito puta”.

E segue: “No livro do Moniz Bandeira [“A Desordem Mundial”] você aprende a respeitar essas teorias de conspiração. E eu vejo isso no Brasil. Para que golpe militar, né? Tão desestruturando o país inteiro. Tá todo mundo louco”.

Nesta conversa, ela fala da família, dos traumas, das superações: “Tem alguém que fala que a vida é aleatória e cruel. E eu guardei isso, acho que isso explica quase tudo. Acho que cruel é até humano demais como adjetivo”.

E mais: “A coisa que eu amo é que, aos 63 anos, eu ainda tenho muitas ideias para ter. Que eu não tive ainda (risos). Isso é nóis!

A seguir, a conversa:

Rodolfo Lucena – Como é que a Débora virou Pink?

Pinky Wainer – Eu era um bebê muito cor de rosa. É basicão assim.  Tinha seis meses. Meu avô materno é que me deu o apelido. Quando meu pai voltou do exílio e nós fomos morar no Rio, foi muito difícil para mim. Eu vinha da França, um país organizado e eu achava que a minha vida ia ser sempre assim. Eu saí daqui com nove anos; voltei com 14. Um dia eu vim para São Paulo para uma festa. E eu gostei tanto de São Paulo, não sei porque. Porque era mais organizado, tudo funcionava, porque tinha casa, porque tinha árvore, sei lá. E eu liguei para o meu pai e falei: não volto. Estava na casa da minha tia. E meu pai veio atrás. Ele estava num momento de reinvenção, ele não tinha nada para fazer, estava bem mal, e ele veio atrás. Ele veio, e a gente foi morar junto. Fomos morar na rua Sabará. Ele alugou um apartamento e começou a trabalhar; não lembro se foi direto com o sr. Frias. Ele foi pedir emprego. Isso que era o mais legal do meu pai: ele ensinou todo mundo lá em casa a fazer as coisas e depois tentar de novo e começar de novo. Tanto que, no final, ele dizia para mim: “Não acha que você é grande coisa porque seu pai dirige uma revista de sacanagem (que era a “Status”) e a sua mão dirige um puteiro (que era o Hippopotamus)”. (risos) Então essa era a frase, o mote da família: não vem não. (risos) Aí eu conheci o meu primeiro marido [Roberto Oliveira]. Ele era diretor de programa de televisão, de programas muito bacanas e me chamou para trabalhar. Aí o Pink teve que se transformar num nome artístico. Aí eu fiz durante alguns anos esses programas, mas é muito difícil. Eu não gostava de fazer, ganhei prêmio, tudo, mas não gostava de fazer.

Eleonora de Lucena – Como eram o programas?

Pinky – Era uns programas incríveis, os musicais que tinham na Bandeirantes nos anos 1970. Na época, que os grandes artistas não queriam aparecer na Globo _Gil, Caetano, Chico, Milton, todos. E o Roberto [Oliveira] inventou o circuito universitário, que era levar esses artistas para as universidades do interior de São Paulo. Começaram a ser feitos musicais que passavam só em São Paulo; a Band era um canal local. Eu entrevistava. Fiz um programa que se chamava Série Documento (para ver um desses programas, com Grande Otelo, por exemplo, busque  https://www.youtube.com/watch?v=JWae59OWB2s )    Eu entrevistei uns 200 velhinhos da música popular brasileira. Todos. Foi assim que eu aprendi a conhecer o Brasil. Não conhecia nada de Brasil, não sabia nada de nada.

Rodolfo – E como é o Brasil?

Pinky – Eu não sabia. O Brasil é incrível. Quando você vem de uma família de famosos ou glamorosos, cada um à sua maneira, teoricamente, em geral, pelas conversas que eu tenho tido com os meus similares, nós não temos identidade. Porque não dá tempo. Você vai assumindo o que te pedem. Você tem muitas opções, todo mundo te oferece _me ofereceram até ser cantora, porque eu era sobrinha da Nara [Leão]. E o sofrimento psíquico e tal; eu e muitos. Através dessas coisas eu fui conhecer o meu país. E eu não tinha a menor ideia de nada. Até porque meu pai protegeu a gente o máximo que ele pode. Eu só fui entender isso agora, a realidade mais pesada dele, das esquerdas e de governos e a violência que havia em torno da “Última Hora”, a oligarquia que controla a imprensa, que eram quatro ou cinco, acho que não mais. Tinha o “Correio da Manhã”, “O Globo”, o diário nãnãnã, acabou. E o me pai tentou entrar nesse grupo e se ferrou. Engraçado. Não sei se ela tem razão, mas a Cynara Menezes leu o Samuel e agora há pouco tempo _ela é de uma outra geração. Ela encontra similaridades entre a epopeia do Samuel e a do Lula. No sentido de chegar perto do clube e achar que está sendo aceito pelo clube, tomar uísque com o Mesquita e achar que é um Mesquita e depois ser jogado fora com a maior violência possível.

Eleonora Mas o Samuel nunca se achou um Mesquita..

Pinky – Não, Mesquita, não

Eleonora Ele participou do clube, mas sempre teve um distanciamento, não?

Pinky – Sim, ele tinha um distanciamento. Uma coisa que eu só entendi agora é a do não-pertencimento. Esse não-pertencimento vem da coisa do imigrante e do judeu. Assim: você nunca vai pertencer. Não brinca. Se você tiver dinheiro, você vai pertencer provisoriamente, mas você nunca vai pertencer [permanentemente]. Tanto que o Samuel fala no livro: “Eu me cerquei de um círculo de pessoas da mais alta sociedade: o neto do Quintino Bocaiúva, o [Ernesto] Simões Filho (1886-1957, foi jornalista, empresário, foi ministro da Educação e fundou “A Tarde”, da Bahia). Ele tinha um círculo para protege-lo, porque ele sabia disso.

Eleonora – É a coisa do imigrante ou a questão das ideias nacionais, o fato de comprar brigas com grandes grupos se aliar ao Getúlio? Ele teve uma trajetória que não era a da elite. Então esse escanteio que ele sofreu, especialmente depois do golpe militar de 64, não tem a ver mais com essas ideias do que a questão do imigrante?

Pinky – Tem a ver. Mas eu acho hoje em dia, não pelo que eu li dele, mas o que eu li de outros judeus com trajetórias similares, que é que todo o judeu quer pertencer. Ele chega imigrante e ele quer pertencer. A Hannah Arendt (1906-1975) fala muito disso. Ele quer pertencer e não vai pertencer nunca. Porque não. Mas ele tenta. Então enquanto está tudo bem, ele é o mais charmoso _isso são as minhas fantasias de filha_, o mais engraçado, o mais inteligente, pega as causas mais atrevidas, o que vai defender a Petrobras como ninguém. E acabou sendo. Ele dizia que era o único brasileiro cuja nacionalidade foi chancelada pelo Supremo. O que é mentira _dele. (risos)

Rodolfo – E qual é a verdade??

Pinky – A verdade é que o supremo falou: isso não é caso para nós. Ele passou batido: “O Supremo falou que eu sou brasileiro”.

Rodolfo – Ele analisava as grandes questões do poder, apontando que quem manda é mídia, políticos, empreiteiros …

Pinky – Quando ele me deixou essas fitas gravadas _foram quatro ou cinco conversas. Era o grupo do Sergio de Souza, do “Bondinho”, que cuidou das conversas, com o Roberto Freire, várias pessoas. Eu não estava nesse grupo. Depois ele fez um pouco com a Marta Góes, umas três entrevistas. Quando ele morreu, e aquilo ficou na minha frente, a única maneira que eu encontrei de ser honesta com ele, com as fitas que ele deixou, foi de transcrever e publicar e não proteger. Teve discussões sobre dinheiro político ou não, quando ele fala das malas de dinheiro do Jango. Publicamos ou não? Aí eu disse: “Ele não está aqui para tirar”. Provavelmente, se ele fosse editar esse livro, editaria de outra maneira. Mas a gente tem que ter uma relação de honestidade com ele.

Eleonora – Quando ele morreu você estava na faixa dos 20 e poucos anos. Como era o Samuel na família?

Pinky – Eu tinha 25.  O Samuel, quando eu vim para São Paulo e ele veio para São Paulo, aconteceu que ele deixou de ser o pai mais ocupado do mundo. Eu e o Samuca [Samuel Wainer Filho], o meu irmão falecido, e o Bruno descobrimos um pai que de certa forma salvou a gente. Ele era o melhor pai, a melhor mãe do mundo, o mais tudo. Ele se tocou que os filhos estavam numa situação muito séria. Estava todo mundo enrolado com droga, com hippie. Eu era hippie, eu morei na Bahia. Ele veio para cá e adorava o emprego dele. Morria de medo de ser mandado embora. Ele estava sempre doente, ia para o hospital tomar oxigênio. Ele me chamava e ficava ditando a [coluna] da página dois [da “Folha de S.Paulo”. Eu ficava digitando na máquina de escrever, porque ele não queria faltar para não perder o emprego. Uma preocupação profissional muito grande. Uma preocupação de sobrevivência. Ele não tinha um “real”, gente! Quando ele morreu, e tudo saiu do apartamento alugado, só ficou o telefone, porque era aquele com fio na parede. Só. O resto já tinha ido embora. Ele não tinha nada. Ainda chegou um médico a me ligar e perguntar onde estava o inventário. Que inventário? Não tem inventário. Mas ele [Samuel] se divertiu muito. Eu lembro que quando ele voltou em 68 para o Rio _e era só desgraça, uma desgraça atrás da outra. O Rio é muito cruel com os fracassados _e com os que fazem sucesso também (risos). Quando ele chegou a São Paulo, atrás de mim, ele entrava nos restaurantes e os maitres lembravam da “Última Hora”: “Seu Samuel, eu lembro da “Última Hora”, esse jornal é tão importante para mim. E que maravilha e as causas e o Getúlio e o petróleo”. Isso deu uma sobrevida de uns quinze anos para ele.

Rodolfo – Por que a “Última Hora” foi tão importante?

Pinky – A “Última Hora” foi o primeiro jornal do Brasil que profissionalizou o jornalista. Isso falando só da parte de RH e de business. Profissionalizou os jornalistas, eles ganhavam salários decentes. Profissionalizou e desenvolveu a fotografia. Não tinha mais essa coisa de você ter dois ou três empregos, de ser funcionário público e fazer um bico no jornal. Não. Ele inventou ou botou para funcionar a primeira imprensa popular. Imprensa popular não é imprensa sanguinolenta. As pessoas misturam, de sacanagem ou por ignorância

Eleonora e Rodolfo – Acho que é mais sacanagem..

Pinky – Mais sacanagem, né (risos). Imprensa popular não é a “Luta Democrática”, que era do Tenório Cavalcanti, no Rio, não é “Notícias Populares”. [Na “Última Hora”] tinha política, tinha autoimagem dos operários, tinha coluna social da zona norte. Isso tudo é diferente de sangue. Isso tem a ver com respeito, com autoestima, ter empatia, enxergar o outro. Acho que isso é da natureza dele [Samuel]. Não é uma coisa que ele inventou, ou foi esperto. Não. É da natureza dele. É a coisa mais linda da ultima hora é isso. Ele falava com tanto orgulho da eleição da rainha da zona norte. Naquela época, nos anos 50, a zona norte, no Rio, era a periferia, a cracolândia da elite. Então, é muito legal. Muito importante

Eleonora – Muito importante e foi uma experiência única..

Pinky – Não teve mais. E não dá para ter.

Eleonora Por quê?

Pinky – Assim como o governo Lula, não dá para ter outro. Porque agora todo mundo sabe como é que acaba.  Ou como pode vir a acabar. Eu discuto muito porque eu acompanhei como eleitora… Foram treze anos de felicidade em volta de mim. Não para mim, mas em volta de mim. Um menino que trabalhava comigo quando eu tinha loja começou e agora está terminando a segunda faculdade. As pessoas compravam moto. Meu universo é pequeno eu não saio, sou muito fechada. Que seja pelo consumo, pelo estudo, tanto faz, a vida é muito curta, deixa as pessoas terem as coisas e gostarem e começarem a entender. O que faltou… Eu lembro de um artigo que eu li no “El Pais”, há alguns anos, antes do golpe, que dizia que a inserção das classes C e D na classe média não seria suave. Nunca mais esqueci dessa frase. E é realmente o que está acontecendo agora, num certo sentido. O cara ganha, adquire, fica forte e diz: “Mas quem conseguiu tudo fui eu, foi deus, eu sou igual a meu patrão”.

Eleonora – Não pertenço à minha classe…

Pinky –  Eu não sou da minha turma, eu sou daquela turma ali agora.

Rodolfo – Não faltou para o governo Lula uma “Última Hora”?

Pinky – Não sei. Nunca pensei nisso. Será? A Globo puxou tanto o saco dele por tanto tempo. Lembro da primeira entrevista, no dia em que ele ganhou a eleição. Nunca pensei isso. Você acha? Eu não sei. A “Carta Capital” fez esse papel de uma certa forma, tentou fazer esse papel.

Eleonora – Não popular. Para uma elite  

Pinky – Não popular. Para a elite pensante, o dna da USP.

Eleonora – Então você está bem pessimista, que não há possibilidade de uma vitória de esquerda na próxima eleição?

Pinky – Acho que não vai ter tão cedo. Acho que é uma tendência mundial. Não é nossa.

Eleonora – Mas as pesquisas estão dando o Lula bem na frente.

Pinky – Sim, as pesquisas. Mas eles vão dar um jeito, não é possível. Não é possível eu esse [Sérgio] Moro não consiga pegar o Lula nem no pedalinho… que juiz incompetente! (risos) Nossa! Mas se ele competir, provavelmente ganhe. Hoje em dia, o mundo ficou tão violento de repente, que eu acredito em assassinato, acho que o Chávez pode ter sido envenenado, acho que esse tipo de coisa que parece filme da Netflix. Depois que você lê um pouco de geopolítica do [Luiz Alberto] Moniz Bandeira, que eu li, você vê que isso tudo é fácil, acontece o tempo todo. Os movimentos de 2013 vão precisar contar direitinho da onde eles começaram, que dinheiro é esse, quem financiou, porque, de repente, deu uma virada e os 20 centavos se transformavam em “Tô cansado de tudo, fora tudo”, de repente. Depois que eu li Moniz Bandeira (1935-2017), comecei a me interessar mais pela questão do mundo como um todo, não só do Brasil e da América Latina. O [Eric] Hobsbawm, naquele livro “A Era dos Extremos”, fala que a América Latina é o quintal, sim, dos EUA. Ele fala que, quando os Estados Unidos mandam, muda tudo na América Latina. Então é assim: agora temos inflação _e todo mundo tem inflação; agora não temos mais inflação _e todo mundo zera a inflação; agora temos democracia _e todo mundo… Agora vamos mudar esses governos que tá demais. Eu acho que é assim. Só não consigo ter um pensamento próprio sobre porque os EUA têm esse poder todo.

Rodolfo – Apesar desse pensamento pessimista ou realista, você não fica quieta, você foi às manifestações, atua na política, nas redes sociais.

Pinky – Fui a todas as manifestações até o golpe. Depois do golpe contra a Dilma, eu não fui mais. Porque eu achava fundamental reagir ao golpe. Eu tenho lá em casa uma parede de adesivos, faixas, Fora Temer, Fora Cunha fora isso fora aquilo. Depois do golpe não fui mais porque começou o mimimi. Fui em duas [manifestações] feministas, sim.

Eleonora – O que é o mimimi? Questões identitárias?

Pinky – Acho que são posições consentidas. As [questões de] mulheres, são fundamentais; a questão racial é fundamental, tudo isso é fundamental. Mas eu estou falando de gente que foi para rua só depois do golpe. Eu lamento, mas acho que a ignorância é muito pouco para justificar você não ter defendido. Não a Dilma, mas a lei. “Deixa, ela está fazendo errado” [diziam]. [Eu dizia]: “Daqui a dois anos vai ter eleição e você não vota mais nela”. Essa questão da legalidade é que me deixou muito puta com muita gente que eu conheço que de repente trocou a legalidade, a ordem das coisas por um capricho. Foram manipulados, não foram… Hoje em dia, tem isso que eu considero _eu tenho 63 anos quase 64, apesar de eu não ser militante, não sou de uma esquerda jovem. A esquerda jovem não me agrada. Porque ela gosta de causas limpas. Ela gosta de ecologia, de Amazônia, de bichos. Você não vê essas pessoas andando nas ocupações do Centro, subindo para o Nordeste para ver as cisternas, todas essas coisas importantíssimas. É tudo causa Gisele Bündchen. Isso me deixa muito puta. Aí eu vou para o facebook fechado _eu quero falar com as pessoas da minha bolha_ e fico desabafando. Meu marido não aguenta (risos).

Rodolfo – Você já sofreu ataques?

Pinky – Não. Sempre fui muito cuidadosa. Porque a minha mãe _mãezinha! – falou que não ia mais para Paris porque poderia encontrar com o porteiro dela no aeroporto. Por outro lado, o meu pai era um cara de esquerda ligado ao pré 64. Uma ou outra vez eu bati boca. “Como é que a filha da Danuza Leão ousa dizer uma coisa dessas?”  Eu falo: “Oi? Tá falando com quem?”  Eu brigo, eu sei brigar, sou boa de briga. Eu aprendi a brigar em 2008, quando o João [Wainer, filho] me disse: “Vai par o twitter, que você vai gostar”. Minha filha me chama de tretabook.

Rodolfo – Você se chama de rolezeira.

Pinky – Rolezeira. Eu gosto de ir nos lugares, de andar na rua, ir na virada cultural, rir, mexer com as pessoas. É o que eu gosto de fazer. Moro no Centro, tô muito feliz, saio, vou almoçar. Vou nãnãnã, é o melhor lugar. Porque, ao mesmo tempo o fóbico, que sou eu, precisa de gente em volta. Eu já morei em casa, eu fico em pânico. Isso é sinapse cerebral. Eu fico com medo. Então quanto mais gente tem em volta, mais eu me sinto segura. No centro é o lugar que eu mais me sinto segura. Sou capaz de responder, de enfrentar.

Eleonora – E como está o centro de SP?

Pinky – Não conheço tanto mas está muito decadente. Eu acredito na mobilidade urbana, eu vendi o caro, meu marido vendeu o carro, a gente faz tudo a pé ou de taxi. Eventualmente, promete que vai andar de ônibus, mas não anda. Porque a gente é velho e folgado. Ando de metrô as vezes, quando precisa. Quando eu cheguei ao Centro, eu aprendi que você anda com notas de um real e moedas, porque os craqueiros te abordam, você dá um real e ele abre um sorriso daqui até aqui e vai embora. E olha o craqueiro no olho. Ninguém olha no olho. Você dá 50 centavos e ele sai feliz. Aqui nos Jardins, não. Ele rouba tua bolsa, teu carro. Quando eu fui morar no Centro, há três anos, no tempo do [Fernando] Haddad, não era assim. Hoje em dia, você não pode nem tirar o celular porque tem as gangues de bicicleta, está tendo muito assalto na São Luiz, no Centro. Eu faço um curso no Copan, na Casa Plana, de cinema russo. Eu me apaixonei por cinema russo. A gente sai muito tarde, 11 e meia. Os porteiros dos prédios ficam falando: “Sai daí, fica dentro, espera teu taxi aqui”. Com esse prefeito fofo que a gente tem..

Rodolfo – Você falou que não gostava de fazer programa de TV, o que você gosta de fazer?
Pinky –
Eu descobri que o que eu mais gosto de fazer é dar aula. Eu não comecei a dar aula sabendo. A primeira coisa que eu gosto de fazer é cuidar dos meus filhos. A segunda coisa que eu gosto de fazer é cuidar dos meus netos. Eu nasci para isso. E, modéstia a parte, fiz umas pessoas incríveis. Eu falei para eles: “Vocês podem ser o que vocês quiserem, menos escrotos. De resto, o mundo é de vocês”. Acho até que eu exagerei, porque está todo mundo morando longe de mim. Mas faz parte do “vai”. Eu gosto muito de dar aula, mais do que pintar. Eu comecei a pintar porque meu pai, quando me viu em casa com os meus filhos, os bebezinhos e as fraldas, falou que eu tinha que voltar a pintar, que eu pintava bem. Ai fomos numa loja e compramos material. Um dia o Aparício Basílio, que era dono da Rastro, viu e disse eu que eu tinha que fazer uma exposição, que eu era boa. Eu fui e fiquei mais de 20 anos numa carreira individual sólida de aquarela, de design gráfico. Trabalhei com livro, com cd, com tudo relacionado a essa área. Um dia, no último dia da minha exposição, o dono da galeria, que eu não vou dizer o nome, se virou para mim e disse: “É tão difícil, porque a gente não sabe se você é artista ou não. Você faz tantas coisas”. Ai eu nunca mais pintei… (risos, gesticulações, caras e bocas)

Rodolfo – O artista tem que ser especializado, é isso?

Pinky – Isso se chama fobia. Eu não sou a única. Muitas pessoas sofrem. Isso é uma espécie de assédio moral, um desmerecimento natural. No final dos anos 90. Eu nunca mais pintei. Eu estou tentando agora voltar a fazer. Entendo como mulher, como artista. Eu entendo como não-pertencente, que eu não pertencia àquilo ali, ao grupo. Você não pertencer a um pequeno grupo te dá uma liberdade muito grande. Mas eu tinha dentro de mim esse germe do meu pai de querer pertencer. Hoje em ia eu tenho um orgulho danado de não pertencer a nada. Mas eu queria. Eu li muito sobre isso. Hoje em dia eu tenho uma compreensão. Eu vejo as pessoas e consigo me colocar no lugar delas e ver o que elas fizeram para chegar ali e o que elas não fizeram e o que deu errado. Eu brinco com os meus alunos. Não deveria estar falando isso, mas o papo é relex. Eu tenho muitas alunas, muitas. São todas mulheres mais de meia idade, algumas meninas. Percebo que algumas têm uma ambição de entrar para o mundo das artes plásticas, outras não. Para algumas eu pergunto o que estão fazendo aqui. Dizem que estão passando o tempo, outras que gostam. Aí eu brinco: “Para você entrar no mundo das artes plásticas, hoje em dia você, tem que ser homem, tem que ter menos de 30, ser magro, ser gay e ter um network incrível. O resto se faz sozinho. Então vamos fazer uma coisa: vamos esquecer esse negócio de ser famoso e vamos pintar e ser feliz”. Aí todo mundo entende. Todo mundo relaxa e faz coisas lindas. Porque o mundo é cruel, né? Na minha família eu tenho um filho que é formado, que é o André. Ninguém é formado, nem meu pai, nem minha mãe, nem eu. Ninguém é formado, ninguém terminou nada. Isso deu em todo mundo, ao contrário, o bichinho do vamos lá, tá dando certo, vamos, agora muda. Todos eles têm isso. Agora eu tenho um problema. Eu tenho uma neta que está na faculdade. E eu fico discutindo

Rodolfo – Saia da faculdade menina! (risos)

Pinky – Eu fico discutindo muito com o João, meu filho, isso. O gasto que dá você querer pertencer. Ela está fazendo direito, ela não nasceu para isso nem não nasceu. E todas essas profissões estão terminando.

Rodolfo – O João tem uma filha que está na faculdade?
Pinky –
18 anos e uma de 14 que tem um piercing na língua. Eu sou apenas uma provocadora. Eu gosto de encher o saco dos outros. Ficar provocando. A boa briga é com gente que você confia. Por isso que eu vim aqui. Eu não brigo com quem eu não confio. Então eu virei artista, com 20, 30 anos de carreira, minha última exposição individual foi em 2002, parei com a televisão. Um dia eu estava gravando um programa e tinha um ator. E ele olhou para mim, isso em 1974, e falou: “Você olha para a câmara e imagina que tem 300 mil pessoas te olhando”. E eu : aiiiii nãaaao!! (risos) Eu não era muito boa, mas eu fiz, fui fazendo, tinha que fazer.

Eleonora – Qual foi a entrevista mais legal que você fez?

Pinky –  Não vou dizer um por um. Primeiro eu fiz, depois eu entendi. Entrevistei o Cartola. Me botavam na frente do Cartola e eu não tinha a menor ideia de quem era o Cartola. Depois fui ver quem era o Cartola. Um autodidatismo cultural imenso. Um trabalho imenso que eu fiz. A gente ia muito para Ubatuba. Lá ainda tinha a bandeira do divino, a festa do santo rei. No litoral norte tem muito loiro de olho azul, de herança francesa, holandesa. Eu perguntava: “Como você se chama?” “Eu me chamo Gérard”; “Eu me chamo Pierre”. Como assim? Nem eles sabiam. E eu fui começando a montar um quebra cabeça. Porque toda a parte que eu estudei de história, eu estudei na Europa e não tinha o Brasil, né? Estudei muito, medieval, Alemanha, Europa. Tudo isso eu sei de cor; era ótima aluna lá. Brasil não tinha. Uma das coisas que me fez conhecer o Brasil melhor foi aquele livro “Tristes Trópicos” [de Lévi-Strauss, 1908-2009]. Eu nunca tinha pensado no Brasil pelos olhos do estrangeiro. Tem uma hora que o Lévi-Strauss fala que ele subiu a serra do mar e conta que viu aquela vegetação que faz um balé. Porque na Europa a vegetação é toda dominada, civilizada. Ele ficou impressionado e eu nunca mais subi a serra do mar sem ficar assim (olhando). É mesmo! Olha aquele galho! Você vai aprendendo com os outros. Eu fiz muitas viagens na minha juventude, eu morei na Bahia fui hippie.

Eleonora – E como foi essa experiência de ser hippie?

Pinky – Fui morar em Arembepe, eu e o Zé Simão, pergunta para ele (risos)

Eleonora – Você tem boas memórias?

Pinky – Tenho. Quando eu cheguei [ao Brasil] em 1969, tinha a opção de ser desbundado. Nem pensar.. meu pai.. Eu vinha de uma Europa onde a mudança de costumes era fortíssima, tinha tido Woodstock, tudo. Então eu estava nem um pouco preocupada e nem sabia de política. Fui direto para o desbunde

Eleonora – Então você viu o Maio de 68 na França?

Pinky  – Eu estava! Eu era garota, mas eu fui pra rua, tinha umas histórias, eu tinha umas amigas Eu estava hospedada na casa de um amigo do meu pai, um embaixador, que morava numa avenida que dava a volta em Paris. Eu e as minhas amigas fomos até lá no centro, em Saint Germain, na zoeira, brincando. Naquela época, você pegava carona, conversava com todo mundo, não tinha nada. E eu peguei um cara desses e falei: “Gente, vocês não podem fazer manifestação só no centro. A gente mora lá no boulevard circular. Vai fazer uma manifestação lá, por favor, para a gente ver”. Aí, uns dias, depois passou a manifestação (risos)

Eleonora – Você foi do colégio interno para Arembepe?

Pinky – Isso. Depois do colégio interno passei pelo Rio e meus pais me botaram na escola mais moderna do Rio, aquela que pode fumar, não precisa assistir aula, não precisa nada. Aí eu pirei, né? Eu vinha de um colégio interno religioso, internato. Meus irmãos estavam num internato na Suíça. Não é legal ir para um internato na Suíça, desculpa aí. Meus irmãos saíam de férias em julho e dezembro. Um tinha três anos e o outro tinha cinco. Não faz sentido. Pai! Mãe! Por que vocês colocaram os meninos num colégio interno? Ah, todo mundo botava. Era assim. Não culpo eles, era assim. Aí eu fui para num colégio megamoderno, da Henriette Amado, em 1969, no Rio. Aí eu pirei. Fui para Arembepe, liguei para o meu pai de novo. E dizia: agora não volto mais.

Eleonora – E o que o Samuel dizia?

Pinky – Meu pai era um fofo, era muito esperto. Vem aqui, eu te dou uma passagem de ida e volta para você vir conversar comigo, Ele não tinha um real. E eu fui duas vezes conversar com ele.

Rodolfo – E a Danuza?

Pinky  – A Danuza gostava menos. Mas ela era menos, a gente tinha menor proximidade. A gente se aproximou mais quando o meu irmão morreu. Naquela época, ela estava no auge do esplendor da vida dela. Então, era com ele. E ele falava e dizia: “Mas porquê?, Veja bem…”. Eu dizia que não ia voltar. E ele me dava a passagem de volta (risos). Eu aprendi muito com ele, foi muito importante.

Eleonora – Pena que ele não chegou a ver o fim da ditadura.

Pinky – Pena. Tem algumas coisas que eu queria que ele tivesse visto. Ele gostava tanto do movimento sindical de São Bernardo, era muito amigo do Tito Costa. Não sei se ele esteve com o Lula uma ou duas vezes, mas não era necessariamente a mesma sinergia. Na casa dele tinha na parede uma famosa foto que operários escreviam democracia na praça e a palavra não terminava. Tinha na sala da casa dele. Eu queria que ele tivesse visto o governo Lula. Não queria que ele tivesse visto a venda da Petrobras, não queria que ele tivesse visto esse bando de canalhas vendendo o país por nada. Mas ele iria amar ver um governo popular. Nossa, como ele iria gostar! Mas também ele não viu o meu irmão morrer, o que tá bom também. Ele também não iria aguentar. [Samuel Wainer Filho, Samuca, nascido em 1955, morreu tragicamente num acidente de carro, em 1984, fazendo uma cobertura jornalística para a Globo].  É tudo circunstancial. No livro da Clarice Lispector tem uma frase que eu adoro. No livro do Benjamin Moser [biógrafo da escritora] ele conta eu o pai ou mãe dela estava com sífilis e tinha uma teoria, entre aspas, que para você curar a sífilis você tinha que engravidar. Então a Clarice é o filho para salvar a vida do pai ou da mãe, não me lembro, que morreu, claro, não durou muito. E nesse texto tem alguém que fala que a vida é aleatória e cruel. E eu guardei isso, acho que isso explica quase tudo. Acho que cruel é até humano demais como adjetivo. E por isso queria que meu pai não tivesse visto a morte do Samuel. E todo mundo louco. Vocês não sabem o que foi o enterro do Samuca. Ele estava trabalhando para a Globo. Foi o Brizola, o Roberto Marinho, foi não sei quem, foi uma loucura de uso. Eu estava lá e o enterro foi atrasado para entrar ao vivo no Jornal Hoje! Como?! Era o Samuca, o Lobinho e tinha mais um. Foi atrasado para o Roberto Marinho chegar e o enterro se dar ao vivo. Fizeram uma… se você quer saber por que eu sou fóbica? Essas coisas são inesquecíveis, são muito cruéis… Agora vou virar o assunto. A minha teoria _teoria pessoal, não devo nada para ninguém, pago meus impostos direitinho_ é de que tudo isso que está acontecendo no Brasil é que nós estamos sendo dominados pelo narcotráfico.

Rodolfo – Como é essa teoria?

Pinky – A teoria é assim. Eu li o “Zero, Zero, Zero”, do Roberto Saviano, o cara que fez “Gomorra”, e que é um livro impactante demais sobre como funciona o narcotráfico. Depois teve o filme, tem duas séries hoje na Netflix muito boas, Suburra. É aquilo. Aquela coisa meio podre, meio suja. E eu li também o livro do Moniz Bandeira, “A Desordem Mundial”, que não é sobre narcotráfico, mas conta como os Estados Unidos desestruturam os países da Europa Central por questões de petróleo. Eles querem ter a torneirinha e o cano. E o Putin também quer ter a torneirinha. Esse livro do Moniz Bandeira te explica o mundo. Tudo o que você nunca entendeu está lá. Em que momento determinado grupo ganhou equipamento e saiu fazendo jornalismo de esquerda, aspas, nos Estados Unidos, o Occupy, por exemplo. Se você entrar no Google e colocar Occupy e George Soros. Daí brrrrrrr. E os irmãos Koch. E isso é sério. No livro do Moniz Bandeira você aprende a respeitar essas teorias de conspiração. E eu vejo isso no Brasil. Para que golpe militar, né? Tão desestruturando o país inteiro. Tá todo mundo louco. Todo dia tem uma notícia que te deixa louca. Eu acordo tarde e digo: “E ai, quem foi preso hoje, quem morreu?”. Sumiram duas malas do Geddel. Como? Assim como todos esses candidatos furrecas que estão saindo para a presidência. Isso tudo é uma maneira de desestabilizar o país. Você simplesmente perde o valor das coisas. Tanto faz o Luciano Hulk, o Bolsonaro, E aí vem o poderoso chefão e leva.

Saiu no jornal uma notícia que o porto de Santos, que o litoral paulista tem cem vezes mais cocaína na água do que o litoral americano. O “Zero, Zero, Zero” termina com o Brasil já sendo o maior porto de exportação de droga. Porque a Colômbia, o México, os EUA começaram a fechar muito a fronteira e começou a vir para cá. Você começa a juntar os pontinhos meio conspiratórios assim. Fulano, porto de Santos, helicóptero, ninguém toca nessas pessoas, a polícia tem limite… E começa a virar um filme. Se você assistir a um filme “Narcos”, na Netflix, você lembra que o presidente, o ministro da justiça, o dono do maior jornal estavam todos envolvidos. E eu fico com essa sensação. É muito menos do que a gente pensa no sentido político.

Um dia vai lá brigar com o cara que deitou nu, no Santander em Porto Alegre. Aí entra na Justiça, chama o cara. Isso parece piada. Não é sério. Sério o cara tava preso.

Eleonora – Parece uma provocação para desviar o assunto?

Pinky – É. Eu acho que tudo isso parece. Se não o cara já estava preso, torturado, a gente já viu isso. Não é assim. Ninguém fica nu numa exposição, que a criança pegou no pé do cara. (Tsk) Isso é provocação e desconexão mental. Fica todo mundo desconectado. Aí vem uma coisa evangélica. Reparou que eles voltam atrás? “Vamos proibir o aborto até para quem foi estuprado” Daqui a pouco: “Veja bem, não vai ser assim. Vamos proibir não sei o quê, vamos intervir na Amazônia”. Aí a Gisele Bündchen dá uma choradinha e não vamos mais. Umas bolhinhas tão pouco sérias. É pessoal meu, é conspiratório, da minha bolha. Graças a deus, meu marido pensa como eu. E a gente fica conspirando o dia inteiro lá no centro (risos). Mas eu acho que a gente está entrando no poder do narcotráfico e que essas bolhas, todas morais, são fracas. Em 64 o cara tacava o pé na porta da casa das pessoas e matava as pessoas e arrancava pelos cabelos. Por que não vai fazer isso agora? O que que mudou?

Rodolfo – O que que mudou?

Pinky – Não sei. Mudou que não é distopia…

Eleonora – Você acha que isso pode caminhar para o fascismo?

Pinky – Não tenho a menor ideia. A Segunda Guerra acabou há muito pouco tempo. As pessoas falam da Segunda Guerra como se fosse no século 16. Foi há 70 anos. As pessoas ainda estão pagando o preço da Guerra Mundial, que não sei qual é o preço, mas acho que nós ainda estamos muito próximos da Segunda Guerra Mundial, e eu não sei, não tenho a menor ideia de para onde isso vai levar o mundo.

As redes sociais são a única mudança real para um fascismo medíocre, para uma coisa cada um só pensando no seu…, não sei para onde vai, não tenho a menor ideia, mas não é bom.

Eleonora – Não é bom?

Pinky – Não é bom para nós. Agora, meus netos já nasceram nesse mundo. Para eles vai dentro da normalidade. Para eles…

Minha neta, minha neta mais velha, que tem 18 anos, é uma rueira… Eu brinco com ela, que ela parece mulher do Nem. Eu pergunto: e se alguém mexer com você na rua?

[engrossando a voz, interpretando a moça marrenta] “Quem que vai ousar mexer comigo?”

Ela, as duas [netas] têm uma couraça de vida…

E outra coisa: já está tudo definido. Agora, mais do que nunca, o 1% da elite e o resto do mundo. E nós somos o resto do mundo. Antigamente se misturava tudo, sentava na mesma mesa, dava risada, hoje em dia não dá mais.

Eleonora – Ia para as mesmas escolas…

Pinky – É, mas agora não dá mais. As escolas estão tão caras… É isso, vai sair alguma coisa que eu não sei, não tenho ideia…

Eleonora – Essa coisa do nacionalismo do Samuel. Ele comprou uma briga enorme num momento em que o Brasil estava sob ataque. A própria campanha do petróleo, que resultou na criação da Petrobrás, sofreu muitos ataques externos. Mas houve no Brasil uma reação, que resultou na Petrobrás, que até hoje está aí, apesar de todo o desmonte que está sendo feito. Esse ataque de hoje poderá gerar algum tipo de reação?

Pinky – Eu não sei. Eu vou falar uma coisa que não tem nada a ver. Uma coisa que eu tenho na minha cabeça, que é assim: o livro. [tem uma conversa de que] …o livro está acabando, não vale a pena mais escrever livro, não vai ter mais livro, as editoras estão quebrando, não sei o quê. De repente, eu vejo uma galerinha que eu conheci começando a fazer umas feiras de livros… Elas estão reinventando as coisas à sua maneira, que não é a que a gente espera, e o livro está voltando com outra força. E eu fico admirada, quero bater palmas para a reinvenção, à sua maneira, com o seu papel, pega a sua máquina, faz uma puta feira, de 20 mil pessoas comprando livrinhos de dez reais… É genial.

Eu acho que o nacionalismo pode ser reinventado de uma forma que a gente não sabe.

Esse movimento de pegar uma coisa e retransformar de maneira inesperada pode acontecer com qualquer coisa. Talvez não com o nacionalismo do sentido antigo…

Eleonora – Sim, dos anos 50, mas a defesa das instituições, do país…

Pinky – Nada, meu Deus, eu estou tão impressionada com isso. A gente, eu fico vendo as meninas, vendo lá em casa…. Quando teve uma menina que foi estuprada no Uber, a Clara, minha amiga, eu falei para minha neta: Cara, cuidado!!! Você soube o que aconteceu com a Clara, então tome cuidado, porque é perigoso…

Ela virou assim para mim e falou: “Vó, quando eu bebo eu não pego táxi”. Ela foi láááááá para a frente. Ela já foi em passeata feminista… Mas o nosso discurso é muito antigo. Ela falou: “Quando eu bebo, vó, eu não pego táxi, eu não sou louca”.

Veja bem, Clara [olhando para o público]. Ela e todas nós achamos que toda mulher tem direito de pegar táxi pelada, nua, a qualquer hora do dia ou da noite e nem por isso ser importunada. Lógico… Mas, no pragmatismo feminista de seus 18 anos, ela já foi e já voltou, deu risada e já resolveu o problema dela.

Essas surpresas é que me dão esperança.

Elas podem se reinventar de uma maneira…

A gente é linear, a gente tem um raciocínio linear. Essas crianças têm um raciocínio fragmentado. Meus filhos viam desenho animado japonês, é tudo assim: tchac, tchac tchac [movimenta as mãos imitando cortes rápidos]. Essa fragmentação do raciocínio, que as redes sociais vieram trazer com mais força ainda, porque você sai de uma, entra em outra… Eles vão reinventar isso de alguma forma. Ninguém quer morrer…

Você viu aquele cara se matando…

Rodolfo – Falar nisso, tem o caso do reitor de Santa Catarina.

Pinky – E o cara da energia nuclear, que ficou preso. E ele tem um conhecimento de coisas… Ele, o almirante Othon, que eu não conheço, não sei a história dele nem o que ele sabe… Meu marido fica muito indignado.

Ele foi condenado a quarenta anos de cadeia. O que é isso? Bem na energia nuclear?

Bem na hora que a Odebrecht está fazendo obra no mundo inteiro, o cara quebra a Odebrecht?!! Não, não quebra o Odebrecht, prende o Marcelo Odebrecht, mas não quebra a Odebrecht, porque ela está trazendo dinheiro para o país. E a nossa tecnologia… Aí entram as conspirações todas. De novo. Voltamos às conspirações…

Rodolfo – Eu queria voltar para o teu trabalho…

Pinky – Vai. Eu fujo.

Rodolfo – O que é essa arte militante?

Minha arte não é tão militante assim. É menos. Eu gostaria de ser mais. Meu plano para 2018 é acumular conhecimento e prestar serviço para quem precisa. Não sei como.
Não sei ainda quem precisa… Quer dizer. Quem precisa tem aos montes, mas não tenho ainda aonde e não sei o que vou fazer no ano que vem [2018].

Este ano [2017], eu passei o ano inteiro estudando cinema russo e foi uma porta que se abriu na minha cabeça sobre a Europa, a Eurásia, outas civilizações, maneiras de fazer cinema, que eu nem me interesso muito… Foi uma coisa deslumbrante.

São Paulo tem um monte de curso tosco… Eu quero curso grosso, curso difícil… Então ano que vem eu vou acumular mais conhecimento.

Eleonora – E o que você quer fazer?

Pinky – Não sei. É o curso que vai me procurar, eu tenho de achar um curso que seja barra pesada.

Esse curso de cinema que a Neide Jallageas dá, ela é professora, pós-graduada …, o curso é muito bom. Abriu meus próximos vinte anos… A gente ficou um ano estudando cinema russo. Fomos em quatro alunos. E foi uma das maiores porradas que eu já tomei na minha vida de uma cultura diferente da minha. Não entro na política: a gente acompanhou a Revolução Bolchevique, os filmes, o Eisenstein, o Tarkovski, mas é muito maior do que isso, é muito sensacional.

Eu li um livro, que ela me fez ler, chamado “A Perspectiva Inversa”, de um filósofo russo, que ele fala o seguinte: “Aquela arte que os gregos penduravam em casa, aquilo é cafona, aquilo é ilustração, aquilo não é alta cultura”. Daí eu quase caí da cama: Como alguém ousa falara mal dos GREGOS?!

Aí passa um pouco, e ele fala: “Aqueles painéis de Pompeia, aquilo é muito ruim, aquilo é uma ilustração passiva, que você olha e só, você não tem nenhum intercâmbio”.

E eu penso: Como é que as pessoas têm coragem [de escrever algo assim]? Pronto, é a minha turma. Eu quero.

Eu vi um filme ontem, chamado “Moloch”… É um fim de semana, na Baviera, na casa de campo do Hitler. Ele vai encontrar a Eva Braun, são dois dias. Ele vai com dois, o Martin Bormann e o Goebels.

O tempo todo tem uma bruma, porque lá no alto… Eu nunca vi uma densidade tão grande, uma centimetragem cúbica [tão grande] de maldade. Sem abrir a boca. Todo mundo fino, todo mundo educado, o Hitler doido,  terereterete… Quanta maldade! Nossa, que coisa boa, que arte superior, como é possível ter uma arte superior, e ninguém conta prá gente. Você tem de ir atrás…

Eleonora – Você vai virar cineasta…

Pinky – Não, deus me livre. Eu gosto de incorporar e fazer sinapses, de encontrar uma coisa na outra, aí você vai juntando… Sabe?… Isso é uma brincadeira muito boa, da minha cabeça… Eu estava contando para vocês da calça bege, não é?

Rodolfo – Conta de novo. Como é a história da calça bege?

Pinky – Nesta semana, aos 63 anos, eu me dei conta… Eu dou aula ao lado do shopping Iguatemi, então toda quarta-feira eu vou lá almoçar, dou uma volta, fico lá, faço hora… E eu comecei a perceber uma coisa que todos nós sabemos, eu tenho na minha casa, meu ex-marido tem, meu não sei quem, meus filhos… a famosa calça bege camisa azul claro. Isso é um uniforme… Não é um uniforme de coxinha, é um uniforme de uma pessoa inocente… E culto…

Daí eu já estava há uma semana com essa história, olhaí, de calça bege e camisa azul você entra em qualquer lugar, ninguém pergunta nada… E aí hoje o táxi que me trouxe aqui, o motorista estava de calça bege e camisa azul.

Eu fiquei sentada atrás, imaginando que ele era, assim, um engenheiro de Itaipu que perdeu o emprego, só porque ele estava vestido de coxinha culto…

Eleonora – É um passaporte de…

Pinky – Nooossa, nem deixariam ele passar por aquele negócio de detector de metais, para entrar no avião::: “Passe por aqui, por favor… [fazendo gestos de convite, orientação de caminhada], detector de metais pro senhor não..”

E eu me toquei hoje, no táxi, quando eu fiquei imaginando: “Nossa, ele deve ter perdido o emprego, não sei quê, mas ele é educado…” Que nada! Pode ser o maior ladrão…

Eleonora – Como é que começou isso?

Pinky – É coisa de americano, aquela loja Brooks Brothers, os Kennedys… Meu pai amava uma camisa azul clara. Por outros motivos; ele gostava porque combinava com os olhos dele…

Mas é coisa de americano, os Kennedys… Tem um suéter, também jogadinho assim [faz gesto mostrando como o suéter fica sobre os ombos]. Um suéterzinho, cashemerezinho…

E hoje eu vim pensando nisso… E eu amo, a coisa que eu amo é que, aos 63 anos, eu ainda tenho muitas ideias para ter. Que eu não tive ainda (risos). Isso é nóis!